Bastidores da reportagem Com 40 anos de carreira e mais de duas mil matérias em cinco continentes, Francisco José lança livro sobre as experiências na labuta como jornalista

Tatiana Sotero
tatiana.sotero@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/12/2016 03:00

 (RAMON VASCONCELOS/GLOBO/DIVULGAÇÃO)
De tanto entrar nas residências através da televisão, pode-se até dizer que o jornalista Francisco José - ou melhor Chico José - é íntimo das famílias brasileiras. Só na Globo, são 40 anos fazendo as mais diferentes coberturas: de meio ambiente à Copa do Mundo e guerras. O telespectador mais atento reconhece o estilo, a marca e a abordagem jornalística do repórter só em ouvir, na telinha, a voz em off (jargão usado para definir a narração sem a imagem do narrador). Cearense radicado em Pernambuco, Chico virou referência do jornalismo no Brasil. As histórias acumuladas na carreira renderam um livro: ele compilou os melhores momentos e memórias da trajetória na obra 40 anos no Ar - a jornada de um repórter pelos cinco continentes (Globo Livros, 248 páginas, R$ 39,90), que lança amanhã, às 19h, na Livraria Cultura do Shopping RioMar (Avenida República do Libano, Pina). Ao Diario, ele falou sobre o livro, o trabalho e o jornalismo atual.

SERVIÇO
40 anos no ar, de Francisco José
Globo Livros
248 páginas
R$ 39,90

Entrevista - Francisco José  // jornalista

“Sempre fui um contador de histórias”

Quanto tempo levou para produzir o livro? Tinha costume de anotar as memórias sobre os seus principais trabalhos?
Eu tenho na memória todos os momentos marcantes dos meus 40 anos no ar. Sempre fui um contador de histórias. De tanto ouvirem as narrações sobre minhas andanças pelo mundo, a família e os amigos mais próximos passaram a insistir na edição de um livro. Escrevi de uma tirada só, no mês de janeiro passado, quando completei 40 anos na Globo. Eu nunca anotei nada sobre os principais trabalhos. Mas tudo foi gravado, o que facilitou bastante na hora de escrever. As testemunhas dos fatos narrados são meus companheiros de trabalho, principalmente os repórteres cinematográficos, a quem dediquei o livro, que terá toda a renda destinada diretamente da Editora Globo para a Fundação Terra, do padre Airton, que faz um trabalho social maravilhoso no Sertão. Contei muito com o apoio da minha filha Marianne Brito, na produção e revisão do livro.

Se pudesse escolher apenas uma matéria como a mais importante da carreira, qual seria?
A dos índios Enawenê-nawê. Nossa equipe ficou 32 dias dentro da selva amazônica, convivendo nas mesmas condições dos índios, mostrando uma cultura bem diversa da nossa, do chamado mundo civilizado. Foi a única equipe da televisão aberta a conviver com os Enawenê, que passam sete meses por ano em rituais de cantos, danças e orações, dedicados aos espíritos, numa demonstração de fé comovente e impressionante. A matéria Os homens espíritos levou o Globo Repórter a ser finalista do Prêmio Emmy, o Oscar da TV mundial.

Como era ser repórter de TV na década de 1970 e hoje em dia?
As imagens ainda eram gravadas em película, preto e branco, com a tecnologia do tempo das cavernas, se compararmos ao nível da televisão que fazemos hoje. Eu também ainda tinha cabelos pretos. Não havia celular, computador, câmeras nas ruas para denunciar os crimes, nem disque-denúncia, delação premiada, grampos telefônicos e tantos outros recursos que ajudam a fazer o jornalismo atual. Na década de 1970, os repórteres tinham que correr realmente atrás da notícia, investigar, correr mais riscos do que hoje. No livro, eu cito o Escândalo da mandioca (desvio de recursos federais na agência do Banco do Brasil entre 1979 e 1981), que teve repercussão em todo país. Eu entrava quase diariamente no Jornal nacional. E tudo foi investigado diretamente na cidade de Floresta, mesmo sob ameaças. Certamente, eu me realizei mais com as dificuldades de fazer jornalismo no passado.

Você cita alguém em especial importante para a sua ascensão profissional?
Destaco e enalteço os meus primeiros mestres, que me ensinaram a fazer jornalismo, numa época em que não havia o curso de comunicação, tão importante na formação da nova geração. Aramis Trindade, Ronildo Maia Leite, Carlos Garcia, todos os meus grandes professores, na faculdade da redação, onde se aprende trabalhando no dia a dia. Quando entrei na Globo, comecei a aprender tudo de novo, porque nunca havia feito televisão. Até hoje, depois de mais de duas mil reportagens nos cinco continentes, continuo aprendendo. Cada reportagem é uma nova lição. Agora, respondo essa entrevista, escrevendo do outro lado do mundo, na Micronésia, onde estou há um mês gravando o meu 98º Globo repórter. E, cada dia que saio para gravar, procuro fazer diferente, me comunicar melhor com o telespectador, sem nunca esquecer as lições dos meus mestres do passado.

Tem alguma matéria ou cobertura que você gostaria de ter feito e não fez?
Eu gostaria de ter acompanhado melhor, com entrevistas mais longas, ícones como Gilberto Freyre, Luiz Gonzaga, Ariano Suassuna, Miguel Arraes de Alencar. Eles marcaram muito o início da minha carreira. Queria ter participado da cobertura da morte de Eduardo Campos, até como homenagem ao líder político que surgiu nos últimos tempos, com grande índice de aprovação dos pernambucanos. Mas sou realizado com as coberturas de que participei.

O principal ensinamento que leva destes 40 anos de profissão?
O compromisso com a verdade, a seriedade e a ética profissional. Sem esses requisitos, ninguém fica 40 anos no ar.

Você tinha como meta pessoal atingir cem programas para o Globo Repórter e está bem perto. Qual a sua próxima meta?
Eu ainda não atingi a meta dos cem Globo repórteres, que é um recorde absoluto. Faltam dois, que espero fazer no próximo ano. Trabalhar para esse programa, que tem as maiores reportagens da televisão brasileira, considero uma realização. Lutei muito para aprovar a pauta dessa matéria que estou gravando nas Ilhas de Yap e Palau, no meio do Oceano Pacífico. Dezenas de mergulhos com todos os bichos do mar, caminhadas na selva, cavernas e túneis dos japoneses ainda cheios de bombas, canhões, tanques de guerra esquecidos no meio da mata, resquícios de grandes batalhas com mais de 22 mil mortos na Ilha de Peleliu. Minha próxima meta é continuar fazendo trabalhos assim.