Publicação: 16/09/2017 03:00
A indústria pornô vive uma era de paradoxos. Enquanto o consumo e a distribuição de conteúdo erótico rasgam limites com a internet, o lucro dos estúdios e a cadeia produtiva desbotam sob a gratuidade do acesso online. O faturamento dos filmes despencou 50% em anos recentes com o crescimento do streaming e da pirataria. A contradição tem outra face: a liberdade sexual expandida desde a explosão cultural da década de 1970 não raro colide com práticas desrespeitosas típicas do setor. Os conflitos têm sido captados e expostos em obras audiovisuais. Nova série da HBO, The Deuce, estreia do domingo (21h), aborda o fenômeno a partir da gênese da exploração profissional do sexo nos EUA: a prostituição nas calçadas de Nova York nos idos da Guerra do Vietnã.
O seriado toma emprestado o apelido dado à Rua 42 da Times Square, coração da cidade, e conta com a assinatura de David Simon e George Pelecanos, nomes por trás de The wire (HBO), sobre a rotina de detetives de homicídios de Baltimore nos idos de 1980. The Deuce ficcionaliza o surgimento e a evolução inicial da indústria a partir dos envolvidos com a prostituição e à base da extravagância setentista: a caracterização se vale de ternos chamativos, carros possantes e o neon pulsante da noite nova-iorquina. Os tipos lembram filmes de gângsteres: o cafetão mulherengo, o policial conivente, a prostituta independente, a suburbana inocente. O mosaico de relações expõe traços comuns ao universo da exploração sexual da época (com nítidos paralelos contemporâneos), como a fragilidade e a objetificação femininas, o predomínio do machismo na arquitetura das decisões, a prevalência do dinheiro e o florescimento do tráfico e das gangues sob a omissão do estado.
A série se propõe a mostrar a transformação do caos das ruas na locomotiva da pornografia bilionária - e como a transição da clandestinidade para prática legítima da economia lidou com vícios de poder, nem sempre sanados. A mudança - catalisada pela revolução nos costumes da década - flagra o papel desempenhado pelas casas de massagens e o controle das máfias sobre os estúdios produtores dos filmes até a derradeira profissionalização.
A ambiguidade da indústria se reflete no protagonismo, exercido pelos gêmeos de personalidades opostas Vincent e Frankie - enredados em negócios sexuais e interpretados pelo ator James Franco (também diretor e produtor-executivo). The Deuce surge como obra oportuna para refletir sobre as histórias nem sempre prazerosas do império erguido sobre o prazer alheio. (Tiago Barbosa)
Transição
Seriado retrata a passagem do negócio do sexo das ruas aos estúdios: Maggie Gyllenhall interpreta uma prostituta e futura atriz de filmes eróticos. A primeira fase de The Deuce possui oito episódios
Pesquisa
Série bebe da realidade da máfia de NY
A série é uma criação ficcional, mas conta ampla pesquisa histórica para dar verossimilhança à narrativa, conduzida por Marc Henry Johnson, experiente em documentários. A vida do protagonista remete à atuação da família real Gambino, máfia de origem italiana e linhagem proeminentes no crime de Nova York. O patriarca Carlo teria inspirado diversas produções - entre elas, a composição do papel de Don Corleone, em O poderoso chefão. Um dos irmãos Gambino prestou consultoria para The Deuce, mas morreu antes do início das gravações.
AUTOCRÍTICA
TV que não analisa a própria TV
A televisão brasileira é carente de programas de análise sobre a forma de fazer TV e a mídia. A situação se agravou com a extinção em definitivo do Ver TV, da TV Brasil, justamente quando a empresa pública é acusada de sofrer desmonte pelo governo Temer. Ao Viver, o canal creditou a cortes orçamentários a dificuldade de bancar os R$ 472 mil do programa. O substituto será o Mídia em foco, de “estilo documental, para acompanhar os meios de comunicação”. O Observatório da Imprensa na TV, outro bunker de análise de mídia, foi extinto em 2016 após quase duas décadas no ar. O único espaço existente hoje na TV aberta com olhar crítico sobre produção é o Tá no Ar: A TV na TV, de Marcelo Adnet. Mas, além de sazonal, está sob o guarda-chuva da Globo, alvo preferencial de críticas sobre a qualidade do segmento no país. (Tiago Barbosa)
HBO
Sátiras renovadas pelo canal
Dois programas apoiados na sátira de fatos cotidianos - um nacional e outro estrangeiro - serão continuados pela HBO. O Greg News, apresentado pelo humorista, ator e escritor brasileiro Gregório Duvivier (do Porta dos Fundos), terá mais duas fases pela frente. O último dos vinte episódios da etapa de estreia foi ao ar na quinta-feira. No programa, ele usa a ironia e o humor para fazer análises sobre acontecimentos da política e da sociedade.
Nos EUA, o Last week tonight with John Oliver será apresentado por mais três anos, com trinta episódios por temporada. Vencedor do Emmy do ano passado, o quadro faz um mix de notícias e piadas semelhante ao formato brasileiro. O apresentador é um nome forte também no YouTube, com quase 5,5 milhões de seguidores.
O seriado toma emprestado o apelido dado à Rua 42 da Times Square, coração da cidade, e conta com a assinatura de David Simon e George Pelecanos, nomes por trás de The wire (HBO), sobre a rotina de detetives de homicídios de Baltimore nos idos de 1980. The Deuce ficcionaliza o surgimento e a evolução inicial da indústria a partir dos envolvidos com a prostituição e à base da extravagância setentista: a caracterização se vale de ternos chamativos, carros possantes e o neon pulsante da noite nova-iorquina. Os tipos lembram filmes de gângsteres: o cafetão mulherengo, o policial conivente, a prostituta independente, a suburbana inocente. O mosaico de relações expõe traços comuns ao universo da exploração sexual da época (com nítidos paralelos contemporâneos), como a fragilidade e a objetificação femininas, o predomínio do machismo na arquitetura das decisões, a prevalência do dinheiro e o florescimento do tráfico e das gangues sob a omissão do estado.
A série se propõe a mostrar a transformação do caos das ruas na locomotiva da pornografia bilionária - e como a transição da clandestinidade para prática legítima da economia lidou com vícios de poder, nem sempre sanados. A mudança - catalisada pela revolução nos costumes da década - flagra o papel desempenhado pelas casas de massagens e o controle das máfias sobre os estúdios produtores dos filmes até a derradeira profissionalização.
A ambiguidade da indústria se reflete no protagonismo, exercido pelos gêmeos de personalidades opostas Vincent e Frankie - enredados em negócios sexuais e interpretados pelo ator James Franco (também diretor e produtor-executivo). The Deuce surge como obra oportuna para refletir sobre as histórias nem sempre prazerosas do império erguido sobre o prazer alheio. (Tiago Barbosa)
Transição
Seriado retrata a passagem do negócio do sexo das ruas aos estúdios: Maggie Gyllenhall interpreta uma prostituta e futura atriz de filmes eróticos. A primeira fase de The Deuce possui oito episódios
Pesquisa
Série bebe da realidade da máfia de NY
A série é uma criação ficcional, mas conta ampla pesquisa histórica para dar verossimilhança à narrativa, conduzida por Marc Henry Johnson, experiente em documentários. A vida do protagonista remete à atuação da família real Gambino, máfia de origem italiana e linhagem proeminentes no crime de Nova York. O patriarca Carlo teria inspirado diversas produções - entre elas, a composição do papel de Don Corleone, em O poderoso chefão. Um dos irmãos Gambino prestou consultoria para The Deuce, mas morreu antes do início das gravações.
AUTOCRÍTICA
TV que não analisa a própria TV
A televisão brasileira é carente de programas de análise sobre a forma de fazer TV e a mídia. A situação se agravou com a extinção em definitivo do Ver TV, da TV Brasil, justamente quando a empresa pública é acusada de sofrer desmonte pelo governo Temer. Ao Viver, o canal creditou a cortes orçamentários a dificuldade de bancar os R$ 472 mil do programa. O substituto será o Mídia em foco, de “estilo documental, para acompanhar os meios de comunicação”. O Observatório da Imprensa na TV, outro bunker de análise de mídia, foi extinto em 2016 após quase duas décadas no ar. O único espaço existente hoje na TV aberta com olhar crítico sobre produção é o Tá no Ar: A TV na TV, de Marcelo Adnet. Mas, além de sazonal, está sob o guarda-chuva da Globo, alvo preferencial de críticas sobre a qualidade do segmento no país. (Tiago Barbosa)
HBO
Sátiras renovadas pelo canal
Dois programas apoiados na sátira de fatos cotidianos - um nacional e outro estrangeiro - serão continuados pela HBO. O Greg News, apresentado pelo humorista, ator e escritor brasileiro Gregório Duvivier (do Porta dos Fundos), terá mais duas fases pela frente. O último dos vinte episódios da etapa de estreia foi ao ar na quinta-feira. No programa, ele usa a ironia e o humor para fazer análises sobre acontecimentos da política e da sociedade.
Nos EUA, o Last week tonight with John Oliver será apresentado por mais três anos, com trinta episódios por temporada. Vencedor do Emmy do ano passado, o quadro faz um mix de notícias e piadas semelhante ao formato brasileiro. O apresentador é um nome forte também no YouTube, com quase 5,5 milhões de seguidores.