O passado nunca mais Livro de José Luiz Passos mescla ensaio e ficção para passar a limpo episódios da história brasileira e criticar inconsistências das instituições

BRENO PESSOA
breno.pessoa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 20/09/2017 03:00

Em tempos em que a crise do país ressalta cada vez mais as fragilidades da recente democracia, Antologia fantástica da república brasileira (Cepe, 264 páginas, R$ 40), nova obra de José Luiz Passos, chega como crítica às inconsistências das instituições nacionais. Sexto livro da carreira do escritor nascido pernambucano, o romance será lançado hoje, às 19h30, na Feira Nordestina do Livro (Fenelivro), no Centro de Convenções de Pernambuco. O autor é um dos homenageados desta edição do evento e concorre neste ano aos prêmios Oceanos e São Paulo de Literatura.

A temática é atual, mas o livro não é sobre o momento presente, e sim sobre a República em diferentes épocas do país e a relação dela com a família e os indivíduos. “Eu não tive por objetivo escrever um livro sobre a república contemporânea, isso foi feito em O marechal de costas”, diz o autor sobre o romance anterior, de 2016.

Concebido inicialmente como uma antologia mais convencional sobre o Brasil República, “o projeto foi ficando meio ousado, abrangente demais”, diz Luiz Passos sobre a transformação do livro. “É um romance episódico, fragmentado, um mural de cenas enxertadas. Elas não mostram um cenário realista, uniforme. A ideia foi montar um álbum sobre a república em perigo”, explica.

A narrativa passeia pelas diferentes épocas, desde os primeiros esboços de república, com a Revolução Pernambucana de 1817, até a Primeira República (1889-1930) e conseguintes, incluindo a Era Vargas e ditadura militar. Alternando entre ensaio, ficção e outros gêneros, o livro dialoga com a história do país sem, necessariamente, um fio condutor, mas abordando sempre questões sobre assimetria dos poderes e figuras que se encontram traídas pelo estado.

Finalizado durante residência literária feita neste ano na Usina de Arte, projeto de incubação artística instalado na Usina Santa Terezinha, em Água Preta, município próximo à cidade natal do autor, Catende, o volume serve também como antologia pessoal. “O romance também é antológico da minha própria produção literária. Ele se comunica com cada um de todos os meus outros livros”, afirma, sobre a proximidade de temas. A obra reúne escritos de até 15 anos atrás, concatenados com produções recentes. “Mas não quer dizer que seja mais simples ou mais fácil”, ressalta, sobre o processo de agrupar todo o conteúdo.

Trecho
A alegria do sacrifício não deixa de ter mistura. A satisfação que inspira a prática do bem enfraquece-se pelo hábito, bem como o remorso, que só aos criminosos noveis castiga em razão de suas malfeitorias. A estima de outrem nem sempre ajunta à consciência do bem. As intenções mais puras são caluniadas e a história mostra que os mais nobres apóstolos da virtude têm muitas vezes recolhido em paga de seus esforços o ódio e a calúnia, ao passo que o vício, ajudado pela fortuna e corrupção dos costumes, tem muitas vezes gozado homenagens da multidão e da consideração pública.