Cadeira cativa Aos 56 anos, a recifense Marlene Coutinho é uma personagem indissociável do teatro pernambucano: assiste a praticamente todas as peças em cartaz, incentiva artistas do estado e ajuda a manter vivo o amor pelas artes cênicas

texto: ISABELLE BARROS|
isabelle.barros@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 16/12/2017 03:00

A recifense Marlene Coutinho, 56, é mais apaixonada por teatro do que muitos artistas. Se houver um espetáculo na cidade, é muito provável que chegue cedo, compre ingresso e espere pacientemente a vez de entrar em qualquer lugar onde haja teatro. Do Santa Isabel ao menor espaço alternativo, a presença é tão comum que já fez amigos entre artistas e amantes das artes cênicas. O Espaço O Poste, mantido pelo grupo O Poste Soluções Luminosas, fez placa em tributo a ela.

A primeira peça vista pela aposentada foi Assim é, se lhe parece, de Luigi Pirandello, há 40 anos. “Fiquei fascinada porque é sobre a verdade e mistura humor, ironia, suspense e melodrama. Nasci gostando de teatro. Amor não se explica, se sente. Desde que me entendo por gente, queria ir, mas meus pais não tinham condição de me levar. Só fui quando pude ir sozinha. Fiz alguma coisa de teatro na escola, mas pouco”.

Uma das características dela como espectadora é prestigiar as estreias locais e ver os espetáculos várias vezes. Em muitas ocasiões, tem como companhia Ítalo Dantas, “parelha teatral” há 15 anos. Ambos se conheceram no Barreto Júnior e se tornaram amigos desde então. “Teve produções a que assisti cinco, oito vezes. É uma forma de apoiar os artistas pernambucanos. Vejo tudo, ou quase tudo. Não tenho preferência entre comédia ou drama. O melhor teatro é o de qualidade, pois nunca saímos de uma peça do mesmo jeito que entramos. Me entristece ver pessoas brigarem na fila para comprar ingresso para uma peça do eixo Rio/São Paulo só porque o artista ou o elenco são globais. Ser da Globo não é um certificado de talento, mas é a fama, não é?”.

Sempre que pode, procura conhecer o teatro do mundo quando passeia. “Vou ao Rio de Janeiro e a São Paulo só para ir a peças. Já viajei até a terra de Shakespeare e vi teatro em Londres na casa do próprio dramaturgo. A megera domada é um clássico e se entende a narrativa mesmo sem saber inglês. Estive no Japão e assisti a uma peça de teatro kabuki”. Em agosto, pretende ir à Broadway pela primeira vez. Mas Marlene nunca se sentiu à vontade o suficiente para entrar em cena. “Não tenho talento, nem vocação. Meu lugar é na plateia”. O amor pelo teatro está, literalmente, à flor da pele. Em uma ida a São Paulo, há três anos, aproveitou para tatuar nas costas as máscaras da comédia e tragédia, símbolos do teatro.

A proximidade com os artistas de teatro e dança a coloca a par das dificuldades enfrentadas por eles. “O uso do dinheiro público é feito de forma errada. Tudo está sucateado, é uma tristeza. O Teatro do Parque está fechado há anos. A cultura é supérflua. Quanto menos se pensar neste país, melhor. A gente quer diversão e arte além de comida. É urgente”.

O jornalista e pesquisador de teatro Leidson Ferraz é um dos amigos que Marlene fez na peregrinação pelos palcos da cidade. “Ela passou a me pedir indicações de espetáculos. É receptiva à arte, foi conquistando todo mundo. Você nunca vai vê-la de baixo astral, sempre está nos trinques”.

A gratidão de Marlene pelos artistas de teatro se estende a experiências não tão agradáveis cenicamente. “Quando os artistas dizem ‘Obrigada por ter vindo’, respondo agradecendo pelo trabalho. Mesmo que não seja tão bom, incentivo, pois, quem sabe não melhora no futuro. O teatro me alimenta a mente, a alma e o corpo. Tenho dificuldades de locomoção e, para mim, ter uma peça para ir é instigante”.