MúSICA » Por uma genealogia da MPB

Isabelle Barros
isabelle.barros@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/02/2018 03:00

O que é preciso para compor um sucesso, ou uma música marcante da MPB? Como um músico pensa e se relaciona com seus colegas para criar letras e melodias queridas pelo público? O jornalista paraense radicado em Brasília Ruy Godinho dedicou mais de 20 anos de pesquisas para responder a esses questionamentos, que deram origem à série de livros Então, foi assim? (Abravídeo, R$ 40). O quarto volume vai ser lançado às 19h de hoje na Passadisco (Rua da Hora, 345, Espinheiro), com a presença do autor. Haverá também roda de conversa com Marcelo Melo (Quinteto Violado) e Maciel Melo, que vão falar sobre suas obras e seus processos de criação. O acesso é gratuito.

A intenção do apresentador do programa Roda de choro, da Câmara FM, é fazer um mapeamento desse momento decisivo para um artista: o surgimento de sua obra. O livro traz depoimentos de compositores de vários estados brasileiros, desde os mais experientes até os contemporâneos. A ideia surgiu a partir do quadro A origem da música, que fazia parte de um programa de rádio produzido por Ruy. O acervo de entrevistas se acumulou e o jornalista quis transformar a experiência em livro. “O programa acabou, mas a pesquisa continuou. Eu dizia que, em dez anos, teria um tesouro nas mãos. O primeiro livro foi lançado em 2008 e a pesquisa foi aperfeiçoada a inclusão de outras informações além da biografia das canções”, detalha o autor.

Das 40 canções analisadas pelo livro, três são de compositores pernambucanos: Paciência, de Lenine e Dudu Falcão, Tropicana, assinada por Alceu Valença e Vicente Barreto e Pavilhão de espelhos, composta por Lula Queiroga. A primeira delas conta com o depoimento de Dudu Falcão, que conta, na obra, sobre sua relação com o parceiro musical. “Conheço o Lenine desde a adolescência. A gente já tinha o papo, já se conhecia das ideias, dos mesmos desejos de ir para o Rio para fazer música e viver dela. Quando eu sento com o Lenine, a gente pega o violão e, na conversa, a música acontece. É um processo muito intuitivo. Fazemos música e letra juntos”.

Além de desvendar a forma de trabalho de cada compositor, o espaço dado a cada música é uma forma de descobrir curiosidades. Tropicana, um dos maiores sucessos de Alceu Valença, foi composta em São Paulo, em um só dia. Enquanto a melodia foi desenvolvida pelo baiano Vicente Barreto, a letra foi composta por Alceu em poucos minutos. “Eu disse: ‘Vou deixar essa letra aqui em cima de um jarro (…) e, quando eu voltar, eu olho. Quando voltei, vi que a letra era extraordinária e que estava à altura de ser um poema de, sei lá, de um João Cabral ou de um Manoel Bandeira”, afirma o músico. Já Pavilhão de espelhos, gravada por Roberta Sá, foi oferecida inicialmente a Maria Gadú, mas ela terminou não gravando.

Além dessas músicas, o livro também enfoca letras e melodias como as de Vapor barato, de Jards Macalé e Waly Salomão, Porto solidão, de Zeca Bahia e Ginco, Espanhola, de Flávio Venturini e Guarabyra, Zanzibar, de Armandinho e Fausto Nilo e O trem azul, de Lô Borges e Ronaldo Bastos. Embora a maioria dos trabalhos escolhidos tenha sido feitos em parceria, cada compositor tem sua forma particular de criar, e a publicação traça panorama abrangente disso. “A única coisa em comum entre os entrevistados é que eles criam música. Os processos são muito distintos. Alguns querem o silencio do escritório, outros compõem no engarrafamento, em uma fila. Já o meu trabalho não tem fim. Enquanto escrevo 50 histórias, milhares de outras canções estão sendo criadas”.