ENTREVISTA // AMARO FRETITAS » "Por que não levar o afro para as salas de aula?" Pianista

Publicação: 24/04/2019 03:00

De onde veio essa ideia de dar uma leitura erudita para ritmos afro-brasileiros nordestinos?
Hoje existe um movimento do piano contemporâneo que é mundial. Minha cabeça é muito atrelada ao que está acontecendo fora do Brasil. Existe uma energia mundial que acaba contagiando a todos, sendo a marca desse tempo que a gente vive. É uma parte cerebral da música que dá origem a um piano percussivo, muito mais percussivo do que harmônico. Isso está acontecendo em países como Cuba, com Gonzalo Rubalcaba, e nos Estados Unidos, com Craig Taborn e Cecil Taylor.

Acredita que não ter ingressado, desde cedo, em cursos tradicionais de música erudita também o influenciou nesse estilo?

Sim, pois trago para o erudito todas as referências que tive em Pernambuco, mas referências de outras realidades que não são aquelas ensinadas na universidade. Eu nunca quis ir para UFPE, porque iria estudar a música do século 17 da Europa. Se um europeu chegar no Recife e quiser aprender a música daqui, ele vai se deparar justamente com a mesma que ele aprende lá. Por que não levar o afro para dentro das salas de aula? Lá fora tem muita gente fazendo isso, de conservar os ritmos africanos e de observar esses fenômenos afro-americanos. O próprio jazz faz parte dessa tradição, mas agora existem outras pessoas pensando nessa força percussiva de acordo com a tradição de seu país.

Talvez não tenha sido justamente esse diferencial que tenha despertado atenção no exterior?
Depois que Rasif saiu por um selo britânico, a minha produtora (78 Rotações) conseguiu fechar uma agenda maravilhosa na Europa. Eu fiquei muito surpreso com os lugares cheios. Na Alemanha mesmo, um lugar tão frio, as pessoas poderiam ter um comportamento mais sério. Mas elas piraram. Eram pessoas de 50, 60 anos que me pediram bis quatro vezes! As pessoas não conhecem essa música pernambucana presente do meu jazz. O que foi disseminado do Brasil lá fora foi a bossa nova e o samba jazz.

Por apostar no potencial afro-brasileiro, acredita que seu trabalho acaba tendo um cunho político ou social?
Uma das minhas maiores preocupações é levantar a bandeira, em vez de colocá-la na frente. Meu povo sofreu muito e tenho total consciência disso, mas quero que as pessoas escutem a minha música porque sou inteligente e sei o que estou fazendo. Com certeza existe um lado muito político no meu trabalho, basta ver o título de Sangue negro. Eu quero provar para as pessoas de periferia que amam a música que dá para você crescer se acreditar, com trabalho. É preciso que a gente dê o nosso passo. Eu mesmo quero muito ser alguém, ter um nome e inspirar outros. No show que fiz no Rec-Beat no carnaval deste ano, vi muita gente de Nova Descoberta. Um baiano me mandou uma mensagem dizendo que ficou feliz, porque além de gostar da música, eu também sou negro e nordestino. Isso é motivo de orgulho.

Então essa é sua perspetiva para o futuro? Crescer e inspirar?
Sim, o cara de Nova Descoberta que se tornou uma revelação do jazz internacional sem precisar ter ido para o Sudeste. Tenho uma agenda cheia até o final do ano. Isso dá uma esperança para os outros. Quando surgir um patrocínio maior, gostaria de fazer oficinas e mostrar para a periferia que a música é um caminho. Não adianta levantar bandeira se você não quer passar o conteúdo, mas sim apenas “surfar na onda”.