As bruxas de Salém e a sua incrível atualidade Entrará em cartaz amanhã, no Recife, peça adaptada da obra de 1950 sobre capítulo sombrio da história

GIOVANNA SOUZA
Especial para o Diario

Publicação: 13/06/2019 03:00

No ano de 1692, o vilarejo de Salém foi espaço para um capítulo sombrio da história da humanidade: uma caça às bruxas pautada por doutrinas religiosas resultou na condenação à morte de 20 inocentes. O grupo pernambucano Célula de Teatro recria este episódio com o espetáculo As bruxas de Salém, dirigido por Domingos Soares. O texto traz uma discussão a respeito da união entre o poder político e a doutrinação religiosa, traçando um parâmetro com a atualidade. As apresentações serão realizadas amanhã e sábado, às 20h, e domingo, às 19h, no Teatro Barreto Junior (Rua Estudante Jeremias Bastos, s/n, Pina). Os ingressos custam R$ 30 e R$ 15 (meia).

O texto original foi escrito em 1950 pelo dramaturgo norte-americano Arthur Miller como uma forma de se contrapor ao macarthismo norte-americano, que costumava perseguir e condenar pessoas acusadas de serem ativistas políticos, comunistas, artistas e intelectuais. Salém era uma humilde colônia inglesa, situada na zona costeira do estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Serviu como principal porto para colonos que tinham interesse em tentar a vida no Novo Mundo, tendo boa parte da população composta por puritanos, grupo que seguia rigorosamente preceitos religiosos. Logo, um cenário ideal para fazer o paralelo.

A peça traz o conflito baseado em uma relação extraconjugal onde John Proctor, um fazendeiro, casado e pai de três filhos, acaba se envolvendo com a empregada Abigail Williams. Ela se apaixona por John e trama algo para afastá-lo de sua esposa. Durante o ritual na floresta, Abigail e algumas amigas são flagradas pelo reverendo puritano Samuel Parris. Duas das moças entram em estado de perturbação e logo o boato de que teriam sido vítimas de bruxaria se espalha pela vila. A população passa então a apontá-las como possuídas pelo Diabo. Domingos Soares aproveitou esse gancho para abordar a disseminação de mentiras de forma viral. “Atualmente, antes mesmo de saber a verdade, existem pessoas que disseminam informações que podem destruir a vida de outras pessoas”, diz o diretor, em entrevista ao Viver.

Entre janeiro e maio de 1962, o número de acusações só crescia, então as autoridades constituíram um tribunal de exceção, para julgar os casos de bruxaria. Os julgamentos eram conduzidos de modo a condenar com base em interesses pessoais, vinganças e ganancia. “Vizinhos acusavam os outros de bruxaria por terem interesse nas fazendas. Caso os acusados fossem condenados, a lei definia que perderiam suas posses, que posteriormente eram leiloadas e arrematadas pelos delatores”, conta Domingos.

“A obra mostra o quanto a história da humanidade é cíclica”, continua o diretor, ao abordar a atualidade de junção dos poderes religiosos e estatais pelo mundo. “Se o poder político se alia ao poder da igreja e doutrina as pessoas baseando-se em princípios religiosos, existe uma afronta ao estado democrático de direito. Atualmente, no Brasil, existem políticos ligados à bancada religiosa, e isso me remete à teocracia.”

No palco do Barreto Júnior, a peça se divide em quatro atos, onde 21 atores interpretam 32 personagens. “Optei por mesclar as duas vertentes da tragédia. Trouxe para a cena a representação clássica do coro, através das referências de rituais da antiguidade grega ligadas aos Mistérios de Elêusis. Neles, seus sacerdotes e mensageiros são chamados a viajar no tempo para interagir, registrar e acompanhar a trama e o destino trágico dos personagens da história de Salem”, finaliza o diretor.

Os figurinos e adereços do espetáculo seguem uma paleta de cores e somam mais de 150 peças. Além disso, respeitam os costumes da época. Uma colônia puritana onde a lei da igreja imperava, os homens e mulheres andavam cobertos e não ostentavam riquezas.