Honraria à altura de Alceu De pés descalços na varanda da sua casa em Olinda, Alceu Valença recebeu o Diario para uma conversa ontem, horas antes de receber a mais alta honraria do estado, pelos serviços prestados à cultura

JULIANA AGUIAR
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Publicação: 13/02/2020 03:00

Em pé no banquinho para se igualar à altura dos concorrentes, Alceu Valença cantou seu primeiro frevo num palco, há mais de 60 anos, observado por moradores da cidade natal, São Bento do Una, no Agreste pernambucano. A apresentação foi em um festival infantil organizado pelo carteiro da região e deu ao primeiro lugar uma caixa de sabonetes. “Eu não ganhei, mas adorei estar no palco pela primeira vez com meus pais e tios me assistindo e as ribaltas iluminando o meu rosto. Entrei dando cambalhotas, empurrado pelo meu tio, e foi a melhor coisa que aconteceu. Quando eu subo para me apresentar, hoje, eu volto a ser o menino doidinho que meus pais viram cantar naquele dia.”

O cantor recebeu o Diario de pés descalços na varanda de sua casa, no Sítio Histórico de Olinda, horas antes de receber a medalha da Ordem do Mérito dos Guararapes, a mais alta honraria concedida pelo estado, no grau de Comendador. “Eu acho bacana e fico muito grato por essas reverências, mas encaro essas coisas com muita tranquilidade, nada sobe à minha cabeça. Se subisse, eu já ia ser um comendador, né?”, brinca, lembrando de comendas recebidas do Senado e dos governos Federal e do Rio. “Imagina se daqui a um tempo eu ficasse louco, vestisse roupa de gala e saísse pelas ruas dizendo ‘eu sou o comendador’’, diz e gargalha.

Celebrando quase 40 carnavais, Alceu se mostra animado para o novo ciclo. “Eu sou um artista tão múltiplo quanto a minha cultura”, pontua. “Sou descendente do ‘nordestinês’. De São Bento do Una, carreguei o forró, a toada, o martelo agalopado, o coco, as sextilhas e os decassílabos dos versos de cordel, isso reflete no meu show de São João. Quando chega o carnaval, canto os frevos de bloco e de rua, e lembro sempre do frevo-canção, que me dá vontade de chorar. Tem também o maracatu, o ijexá e a ciranda, que foi incorporada ao carnaval”, afirma o cantor, que já abriu a agenda carnavalesca com shows em Petrolina e no Cais do Sertão, no Bairro do Recife. Além da tradicional participação nas programações de momo de Recife e Olinda, o cantor fará apresentações em São Paulo, Natal, João Pessoa, Buíque e Pesqueira.

Com apresentações marcadas em eventos tanto privados quanto gratuitos, Alceu diz não fazer distinção. “Meu trabalho é uma dádiva, me pagam para cantar. Isso é uma coisa doida, me pagam para eu fazer o que eu amo. Eu tenho amor à multidão, mas também não me importo de cantar para um pequeno público. O importante é cantar em um palco e para uma plateia, não importa onde”, destaca. “Antigamente, eu ficava na varanda da minha casa, em Olinda, via os blocos passarem e às vezes cantava. Ainda mais jovem, eu participava, saía atrás dos blocos. Eu já brinquei muito, acho o carnaval de Olinda uma coisa inacreditável. Mas hoje, depois desses discos todinhos, eu gosto mais de estar no palco do que na janela”, conta.

O artista lembra que tinha entre 4 e 5 anos na primeira ida a Olinda e se admirou com os sinos de ouro tocando nas ruas. “Vinha de São Bento do Una veranear na casa de uma tia em Olinda. A gente saía percorrendo as ruas e, quando cheguei pela primeira vez na Rua de São Bento, onde hoje tenho uma casa, ouvi o sino tocar. Me disseram que era de ouro, então acreditei”, lembra.

Nesta semana, o artista lançou uma música, Beija-flor apaixonado, em parceria com a cantora Fafá de Belém, que promete ser a novidade do repertório carnavalesco. “A música foi inspirada na varanda da minha casa, nos carnavais e no bloco que inventei e não fiz, chamado O Bloco do Beija-Flor Apaixonado. Essa música seria uma espécie de hino. Com ela, eu lembro da pureza das danças do frevo de bloco e dos beija-flores que vêm beijar as flores aqui de casa. Eram muitos antigamente, mas não estão mais chegando aqui nas árvores, eu não sei o que está acontecendo. Acho que não teve nenhuma traição da rosa amarela, mas eles desapareceram”, brinca, parafraseando os versos de uma outra canção sua, Pétalas.