A literatura entre a exceção e a paciência O que nos diz João Guimarães Rosa, poeta considerado por tantos como o maior escritor brasileiro, em suas obras tão debatidas?

Maria Larissa Farias
doutoranda em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco

Publicação: 23/03/2023 03:00

Se observarmos o cenário receptivo que tem abraçado a obra de João Guimarães Rosa (1908-1967), poderíamos conjecturar que essa insistente presença, entre leitores e pesquisadores, advém de uma suposta “universalidade” de sentidos humanos emergida pelas formas literárias do autor. Tal constatação, a princípio, não seria equivocada. Porém, se com isso escolhêssemos apontar para uma universalidade abstrata, ou seja, sem uma expressão literária que a especifique e lhe dê caráter único, terminaríamos por reduzir um livro aos seus temas ou, o que seria ainda pior, às projeções de sentido pré-fabricadas que sobre ele lançamos (antes mesmo de uma leitura “despida”, despretensiosa). Pensemos rapidamente sobre isso, tomando como exemplo algumas imagens de violência e de crime que subjazem em partes cruciais dos escritos de Guimarães Rosa.

Comecemos pelo mais memorável e debatido feito do autor, o Grande Sertão: Veredas. No momento que antecede o confronto entre o bando de jagunços de Joca Ramiro e os bebelos, Riobaldo – do fundo de sua inquietação – confessa que “menos atirava do que pensava”. Antes mesmo, no instante da entrada dos homens de Zé Bebelo na guerra, Tatarana detém-se numa contemplação: “Passaram o ribeirão, com tanta pressa, que a água se esguichou farta, vero bonito aquilo no sol. Demos fogo”. Num cenário geral em que se exigiria a ação do personagem, deparamo-nos com a detenção, com um gesto atento que consegue salientar a beleza espontânea que se fez possível às vésperas da violência e do caos. O julgamento de Zé Bebelo, em si mesmo, deságua na percepção de um “mundo muito misturado”, em realidades e subjetividades que se mostram continuamente excepcionais.

O artifício de reviravolta narrativa pode variar entre um banal mecanismo de finalizações óbvias e uma convergência esmerada para um desfecho criativo e inusitado, encarna, nos escritos de Guimarães Rosa, uma educação da sensibilidade estética. Mostra-nos que conclusões apressadas em torno do objeto literário anulam da nossa experiência como leitores.