Passistas de frevo em busca de visibilidade Professora e coordenadora no museu do Paço do Frevo desenvolve projetos para nivelar hierarquia entre música e dança do principal ritmo do carnaval

Allan Lopes

Publicação: 29/04/2024 03:00

A partir da Quarta-Feira de Cinzas, as ruas do Sítio Histórico de Olinda se esvaziam e o carnaval tem as cortinas fechadas até a nova temporada iniciar. Os foliões voltam às suas rotinas de trabalho, os bonecos gigantes são guardados, mas e quanto aos passistas de frevo? Após os dias de Momo, os dançarinos vivem o drama de sustentar suas carreiras em meio à escassez de oportunidades para apresentações de frevo durante o restante do ano, enquanto se dedicam para não perder o ritmo do passo mais vibrante de Pernambuco, de olho no próximo carnaval. Pouco mais de 300 dias separam a data de hoje, o Dia Internacional da Dança, do recomeço da folia em 2025.

“Não somos nomeados”, afirma Anne Costa, professora e coordenadora de dança no Paço do Frevo, ao se referir à desumanização do passista - que, segundo ela, é relegado a um papel de coadjuvante na hierarquia cultural da linguagem artística. “O frevo é formado de vários braços artísticos: a música é um deles, e a dança é outro tão potente quanto. Mas, no lugar da valorização, ainda estamos muito atrás”, lamenta. Licenciada em Artes Cênicas pela UFPE, Anne é especialista em Práticas e Pensamentos do Corpo pela Faculdade Angel Vianna (RJ) e em Dança – Abordagens técnicas e Gestão, pelas Faculdades Rio Branco/NAE (SP).

No momento em que assumiu a coordenação de dança no Paço, em 2021, Anne trabalhou para garantir a expressão corporal na programação artística do museu através do projeto Panorama Dança. Pelo menos cinco eventos de dança estão reservados no calendário anual do Paço. Além disso, há programações derivadas de contrapartidas, como é o caso das apresentações de dançarinos que utilizam as salas do equipamento para ensaiar. “A principal missão da escola é garantir esse espaço”, sublinha a professora. Em fevereiro, o Paço completou uma década de difusão, criação e salvaguarda do frevo.

Entre março e outubro, quando o frevo está praticamente limitado às imediações da Praça do Arsenal, os passistas se concentram na preparação física e muscular para aguentar a rotina desgastante do carnaval que se aproxima. “A gente, como sociedade, tem um entendimento de dança de forma muito intuitiva. É comum ouvir ‘nasci sabendo dançar’ ou ‘tenho um dom’. Essa situação leva as pessoas a acreditarem que estamos sempre prontos, sem considerar a preparação necessária para que cada passista execute determinada célula coreográfica, com aquela precisão, e sem se machucar”, explica Anne.

A despersonalização do passista também é reflexo da padronização dos figurinos e da pressão para alcançar o corpo perfeito. Ao longo de vários exercícios para reinventar a forma de apresentar o frevo, a professora desenvolveu figurinos que vão na contramão dos trajes tradicionais e do guarda-chuva colorido. O objetivo é desconstruir a imagem estereotipada do dançarino de frevo e representar a ampla diversidade de corpos interessados em ‘frevar’. “É muito importante que essa objetividade desapareça também pela roupa. O figurino não define a dança e o conteúdo que a gente está trazendo”.