A força da sensualidade
Na turbulenta e delicada história de amor "Baby", Marcelo Caetano intensifica as cores e tensões de um cinema LGBTQIA+ pulsante despreocupado com agendas
André Guerra
Publicação: 09/01/2025 03:00
É em um chuvoso centro de São Paulo, cheio de temores e também de afetos, que o cineasta Marcelo Caetano - mineiro com uma longa experiência no cinema pernambucano - encena Baby, que entra em cartaz hoje após sucesso na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024, onde Ricardo Teodoro venceu o prêmio de Melhor Ator Revelação. O título é referente ao apelido de Wellington (João Pedro Mariano), jovem recém-saído de um reformatório e negligenciado por sua família que fica perdido pela cidade, quando acaba conhecendo, em um cinema pornô, um garoto de programa mais velho, Ronaldo (Teodoro), com quem começa um turbulento romance.
Aqui em seu segundo longa-metragem, após a boa repercussão de Corpo Elétrico em 2017, Marcelo segue trabalhando algumas ideias similares - em especial a relação simultaneamente integrada, movimentada e cheia de solidão da comunidade LGBTQIA+ com o centro de São Paulo - mas a partir de referências narrativas mais clássicas de causa e consequência e de uma estética agora afeita a maiores estilizações, que, através do registro dos corpos e do desejo, transformam as locações cinzentas em calorosas manifestações de cor e luminosidade. Assim como a vida dos protagonistas, o espaço em volta está em um movimento permanente (mas jamais frenético) e, ao contrário de Corpo Elétrico, os conflitos impostos pelos desdobramentos da premissa são às vezes carregados em desconforto e perigo real.
Em entrevista ao Viver, o diretor falou sobre suas influências na construção do roteiro e da abordagem formal. "No filme anterior eu acho que ainda estava mais ligado a uma tradição de cinema contemporâneo de improvisos, de uma câmera que observa os personagens com tempos mais mortos, enquanto no Baby a minha preocupação era em como construir tensão e tesão. Apesar de toda a minha bagagem com um cinema nacional contemplativo, quis trabalhar aqui as minhas referências de um ritmo mais dinâmico, de Almodóvar a Wong Kar-Wai", descreveu. "Ao mesmo tempo que a sensualidade é muito presente na história, há momentos muito duros também, que tem a ver com profissionais do sexo, mas tivemos todo um cuidado para não colocá-los apenas em posição de vítimas e mostrar como são pessoas que vão para frente, seguem as suas lutas".
Articulando a complexidade dos personagens em uma abordagem dramática muito franca, que permite ainda assim uma grande naturalidade por parte dos dois atores principais, Baby evita juízo de valor sobre os seus protagonistas tanto quanto foge de sacralizar seus corpos. "O momento do Brasil em que este filme foi gestado também foi um período muito diferente do Corpo Elétrico e eu sentia a necessidade de colocar essas emoções na tela de uma forma mais intensa, mas parte disso vem muito da construção de personagens ambíguos, com sentimentos e atitudes muito à flor da pele, que você pode amar e odiar. Estava ficando receoso de um tipo de cinematografia brasileira que me parecia ter muito medo de retratar personagens de comunidades minoritárias de maneira não virtuosa, uma vez que já vivem uma vida muito aquém do sistema, quando eu acho que a riqueza de poder trabalhar com esses grupos está justamente em não romantizá-los", ressaltou o cineasta.
Apesar de seus dois longas serem ambientados em São Paulo, o cinema de Marcelo Caetano teve parte importante de sua formação em solo recifense, vindo pela primeira vez à capital pernambucana em 2011, a convite de Hilton Lacerda para ser diretor assistente de Tatuagem - filme que guarda claras semelhanças com Baby. Anos depois, ele voltaria ao estado para a mesma função em Boi Neon, de Gabriel Mascaro, lançado apenas em 2015 - época em que Marcelo passou a trabalhar na produção de elenco de Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, uma parceria que os dois retomaram em Bacurau. O diretor trabalhou ainda em Carro Rei, de Renata Pinheiro, vencedor do Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado.
"Passar seis meses no Recife com Tatuagem foi uma grande escola para mim e nela fiz parcerias para o resto da vida, então tenho bastante carinho por ele e pelos outros filmes que gravei em Pernambuco. Nos filmes com Kleber, em particular, o maior aprendizado foi o de saber respeitar a singularidade do meu próprio olhar, a excentricidade e as referências, já que é um cinema muito de cinefilia, o que conversa muito comigo", relembrou Marcelo.
O filme está em cartaz no Cinema da Fundação/Porto.
Aqui em seu segundo longa-metragem, após a boa repercussão de Corpo Elétrico em 2017, Marcelo segue trabalhando algumas ideias similares - em especial a relação simultaneamente integrada, movimentada e cheia de solidão da comunidade LGBTQIA+ com o centro de São Paulo - mas a partir de referências narrativas mais clássicas de causa e consequência e de uma estética agora afeita a maiores estilizações, que, através do registro dos corpos e do desejo, transformam as locações cinzentas em calorosas manifestações de cor e luminosidade. Assim como a vida dos protagonistas, o espaço em volta está em um movimento permanente (mas jamais frenético) e, ao contrário de Corpo Elétrico, os conflitos impostos pelos desdobramentos da premissa são às vezes carregados em desconforto e perigo real.
Em entrevista ao Viver, o diretor falou sobre suas influências na construção do roteiro e da abordagem formal. "No filme anterior eu acho que ainda estava mais ligado a uma tradição de cinema contemporâneo de improvisos, de uma câmera que observa os personagens com tempos mais mortos, enquanto no Baby a minha preocupação era em como construir tensão e tesão. Apesar de toda a minha bagagem com um cinema nacional contemplativo, quis trabalhar aqui as minhas referências de um ritmo mais dinâmico, de Almodóvar a Wong Kar-Wai", descreveu. "Ao mesmo tempo que a sensualidade é muito presente na história, há momentos muito duros também, que tem a ver com profissionais do sexo, mas tivemos todo um cuidado para não colocá-los apenas em posição de vítimas e mostrar como são pessoas que vão para frente, seguem as suas lutas".
Articulando a complexidade dos personagens em uma abordagem dramática muito franca, que permite ainda assim uma grande naturalidade por parte dos dois atores principais, Baby evita juízo de valor sobre os seus protagonistas tanto quanto foge de sacralizar seus corpos. "O momento do Brasil em que este filme foi gestado também foi um período muito diferente do Corpo Elétrico e eu sentia a necessidade de colocar essas emoções na tela de uma forma mais intensa, mas parte disso vem muito da construção de personagens ambíguos, com sentimentos e atitudes muito à flor da pele, que você pode amar e odiar. Estava ficando receoso de um tipo de cinematografia brasileira que me parecia ter muito medo de retratar personagens de comunidades minoritárias de maneira não virtuosa, uma vez que já vivem uma vida muito aquém do sistema, quando eu acho que a riqueza de poder trabalhar com esses grupos está justamente em não romantizá-los", ressaltou o cineasta.
Apesar de seus dois longas serem ambientados em São Paulo, o cinema de Marcelo Caetano teve parte importante de sua formação em solo recifense, vindo pela primeira vez à capital pernambucana em 2011, a convite de Hilton Lacerda para ser diretor assistente de Tatuagem - filme que guarda claras semelhanças com Baby. Anos depois, ele voltaria ao estado para a mesma função em Boi Neon, de Gabriel Mascaro, lançado apenas em 2015 - época em que Marcelo passou a trabalhar na produção de elenco de Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, uma parceria que os dois retomaram em Bacurau. O diretor trabalhou ainda em Carro Rei, de Renata Pinheiro, vencedor do Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado.
"Passar seis meses no Recife com Tatuagem foi uma grande escola para mim e nela fiz parcerias para o resto da vida, então tenho bastante carinho por ele e pelos outros filmes que gravei em Pernambuco. Nos filmes com Kleber, em particular, o maior aprendizado foi o de saber respeitar a singularidade do meu próprio olhar, a excentricidade e as referências, já que é um cinema muito de cinefilia, o que conversa muito comigo", relembrou Marcelo.
O filme está em cartaz no Cinema da Fundação/Porto.