Em livro, pernambucana narra sua jornada de luto Ao lado de outras mulheres, a jornalista Patrícia Calazans oferece uma visão íntima de suas lutas e conquistas na obra "Ensemble: De Solo a Sinfonia"

Allan Lopes

Publicação: 31/03/2025 03:00

Patrícia com o filho Daniel, que tirou sua própria vida em agosto de 2020, aos 23 anos (ACERVO PESSOAL)
Patrícia com o filho Daniel, que tirou sua própria vida em agosto de 2020, aos 23 anos
A dor tem uma solidão particular. Patrícia Calazans Ashton a conheceu de perto em plena pandemia, enquanto lidava com problemas de saúde e pressões no trabalho. No dia em que completou 53 anos, recebeu a notícia que nenhuma mãe deveria ouvir: a perda irreparável de um filho. Mas, em vez de permanecer no luto solitário, a jornalista pernambucana que vive nos Estados Unidos decidiu se unir a outras vozes femininas para abordar suas experiências individuais e temas universais sobre o que é ser mulher no livro Ensemble: De Solo a Sinfonia, que será lançado no Recife ainda neste semestre, na Livraria da Jaqueira, em data ainda a ser definida.

A obra reúne 139 mulheres de cinco continentes — executivas, empreendedoras, artistas e atletas — que assumem o duplo papel de coautoras e regentes desta sinfonia literária. “Somos todas maestrinas deste livro”, afirma Patrícia. “O título De Solo a Sinfonia representa exatamente isso: várias mulheres contando suas histórias como solistas, mas que, juntas, criam essa sinfonia”. Além da jornalista, as atrizes Fernanda Montenegro e Bruna Lombardi, a cantora Bebel Gilberto e a medalhista olímpica Virna Dias contribuem dividindo suas vivências.

Nas páginas que escreveu, Patrícia compartilha os desafios que enfrentou após a perda do seu filho Daniel, que faleceu aos 23 anos. Mas o luto que ela aborda vai além da saudade. “Qualquer coisa que mexe com sua condição emocional, que te deixa triste ou te tira da zona de conforto, pode ser um luto”, discorre. Após entrar em contato com um grupo de mães enlutadas, encontrou nelas um espelho que refletia sua dor sem julgamentos. “Se não fossem essas mulheres, eu não estaria aqui conversando com você. Elas me deram muitas perspectivas”, conta.

Daniel foi mais uma vítima de uma epidemia silenciosa que atinge jovens no mercado de trabalho: a crise de saúde mental. Entre maio e junho de 2020, em meio ao caos pandêmico, ele tentou tirar a vida em três oportunidades — até que, infelizmente, conseguiu. O dia está marcado para sempre: 6 de agosto. No mesmo período, Patrícia foi diagnosticada com a doença de Hashimoto, que trouxe não apenas uma tireoide inflamada, mas também a queda vertiginosa de sua produtividade.

A jornalista transforma sua jornada em um manifesto sobre acolhimento. “Um homem me confessou ter vergonha de seu sofrimento por um divórcio, comparado à minha dor. Respondi que não há hierarquia nas perdas. O que dói em você, dói e ponto. A minha cura foi entender que compaixão não divide, mas multiplica alívio”, destaca.

Em memória de Daniel, Patrícia criou a Daniel Calazans Foundation (DCF), que combate a crise de saúde mental alertando sobre a relação entre doenças psicológicas e o abuso de substâncias. “Às vezes, o processo só começa quando a gente para de perguntar ‘Por que isso aconteceu comigo?’ e passa a pensar ‘Isso aconteceu comigo e com outras pessoas. Como posso ajudar?’”.  É com esse propósito que ela prepara agora a chegada da DCF ao Brasil, para estender a mão a quem enfrenta as mesmas batalhas silenciosas pelas quais o filho passou.