Uma imersão divina Repórter do Viver compartilha a experiência de acompanhar a "Paixão de Cristo de Nova Jerusalém", cuja temporada acaba neste domingo

André Guerra

Publicação: 19/04/2025 03:00

 (RAFAEL VIEIRA/DP FOTO)

É começo da tarde e a imprensa está toda reunida para seguir viagem do Recife em direção a Fazenda Nova, distrito do Brejo da Madre de Deus, no Agreste de Pernambuco, onde está localizado o maior teatro ao ar livre do mundo. Jornalistas e influenciadores são convidados todos os anos para uma sessão especial do espetáculo que atrai milhares de pessoas de todo o Brasil desde que foi mostrado ao público pela primeira vez, em 1951. Ao avistar as imponentes muralhas, entende-se a dimensão épica de sua fama.

A tarde vai indo embora enquanto a imprensa adentra a “Galileia Pernambucana”, como chamam alguns locais, composta pelos opulentos e realistas nove cenários que dão vida às 13 cenas da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, criada pelo jornalista e diretor gaúcho Plínio Pacheco. A réplica de Jerusalém, sonho nutrido ao longo de muitos anos por ele e por sua esposa Diva Pacheco (filha do influente empresário Epaminondas Mendonça, que começou tudo) se tornou uma realidade e um orgulho para o estado, sendo o destino mais procurado do país durante a Semana Santa.

Marcada para começar às 18h, a peça sofre um atraso de 45 minutos, após uma chuva intensa e ininterrupta pegar todo mundo de surpresa. Sob raios e trovões que parecem parte da orquestração gigantesca de efeitos especiais, mas já com o tempo estiado, começa o Sermão da Montanha, cena célebre de abertura da Paixão de Cristo, na qual Jesus é tentado pelo Diabo e, em seguida, realiza seus primeiros milagres.

Nos últimos anos, Jesus foi encarnado no espetáculo por Igor Rickli (nas temporadas de 2015 e 2016), Romulo Arantes Neto (2017), Renato Góes (2018), Juliano Cazarré (2019), Caco Ciocler (2020), Gabriel Braga Nunes (2022), Klebber Toledo (2023) e, no ano passado, por Allan Souza Lima. Agora, é a vez de José Loreto fazer o papel, contracenando com Letícia Sabatella (como Maria), Leopoldo Pacheco (Pilatos) e Werner Schünemann (Herodes).

Com as luzes apagadas, é hora de caminhar para o cenário seguinte. “Não precisa correr”, diz o aviso no alto-falante. “A cena só irá começar quando todos estiverem acomodados”, continua a voz a ecoar pelo espaço. O curioso na Paixão de Cristo é que as pausas para esse curto trajeto, que poderiam quebrar o clima da apresentação, são na verdade fundamentais em sua imersão. Tanto do ponto de vista geográfico, pela atmosfera grandiosa dessa Galileia minuciosamente reproduzida, quanto dramático. É como se caminhássemos junto a Jesus em sua épica e dolorosa jornada de martírio e salvação.

Nesta edição, em particular, parece que a natureza confluiu para o impacto maior. Não apenas a chuva intensa cessou precisamente durante o tempo de quase três horas de peça, como os raios cortaram os céus repetidas vezes no clímax da encenação, quando Jesus é preso pelos romanos e brutalmente torturado, até ser condenado e crucificado ao lado de dois ladrões. A sequência é desconcertante e o sangue, o mais realista possível. Aos gritos (detalhe: único som que não é dublado), Loreto dá vida à agonia do messias com notável visceralidade em todo o ato final, embalado por uma trilha sonora bombástica, de grande força sensorial.

Ao término dos agradecimentos, após a ressurreição, os fogos de artifício tomam conta do céu e, então, a água volta a encharcar o solo árido do anfiteatro, encerrando a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. A noite de milagres não ficou só na ficção. É hora de voltar para casa, com a esperança renovada.