Resistência com glamour
A diva Márcia Vogue, artista vitoriosa na vida e na carreira, terá sua trajetória celebrada neste domingo, no Teatro do Parque, durante a Noite das Estrelas
Allan Lopes
Publicação: 17/05/2025 03:00
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Ícone da geração de ouro da cena queer pernambucana, Marcia Vogue atravessa quase 40 anos de carreira com o brilho intacto. Glamourosa, respeitada no Brasil e fora dele, é inspiração para quem veio depois, não apenas por sua trajetória, mas pelo que representa. Por isso, recebe neste domingo, às 18h, no Teatro do Parque, a homenagem da Noite das Estrelas, que reconhece talentos da cena LGBTQIAPN+.
Esta história começou em 1970, quando, depois de três meninos, sua mãe finalmente segurou no colo a filha que tanto esperava. A caçula não teria apenas o amor incondicional da família, mas também a coragem de mostrar ao mundo, desde os seus primeiros passos, que sua identidade feminina era sua verdade mais pura e inegociável. “A feminilidade é algo que você não compra. Você pode até comprar uma aparência, mas não foi o meu caso”, ressalta Márcia, em conversa exclusiva com o Viver.
Seu corpo ainda produzia 50% menos testosterona do que a média masculina — uma condição que, somada ao uso precoce de hormônios, suavizou o desenvolvimento de características físicas tradicionalmente associadas a meninos. Não era à toa que se identificava tanto com Roberta Close, fenômeno pop que revolucionou os padrões de gênero e que compartilhava da mesma condição hormonal. “O fato de eu não ter testículos fazia toda a diferença na forma como me enxergavam. Mais feminina, mais harmoniosa, mesmo sendo alta. Um mulherão”, relembra, sorrindo. Em 2000, ela finalizou o processo que lhe permitiu viver plenamente como quem sempre foi.
O panteão particular de Márcia tinha três divindades: Roberta Close (pioneirismo), Luiza Brunet (plasticidade) e Madonna (subversão criativa). Esta tríade ajudou a moldar sua persona artística, que ganharia nome definitivo no exato momento em que a Rainha do Pop popularizou o termo “Vogue”, em 1990. A escolha do sobrenome parecia ecoar o sucesso mundial da música, mas veio da linguagem de resistência inspirada nas poses da revista de moda. “O nome sempre me pareceu imponente, com personalidade”, explica.
Aluna do curso de Eletrônica da então Escola Técnica Federal de Pernambuco (ETFPE), ela soube de um concurso de beleza chamado Miss Tropical. Sem remorsos, fechou os livros técnicos para abrir as portas de um novo destino. A vitória foi só o começo: vieram, em sequência, títulos como Miss Pernambuco Gay, Rainha do Carnaval, Pantera Gay, Miss Remember, A Bela das Belas, entre outros que consagraram sua presença nas passarelas e nos palcos. “Naquele tempo, só se destacava quem fosse realmente grandiosa”, crava.
Com o passar dos anos, sua fama cresceu tanto que muitas desistiram só de ouvir que Márcia Vogue estaria na disputa. Ela acumulou participações no Show de Calouros do SBT, e depois nos principais palcos do país, onde dividia holofotes com ícones como Eloína dos Leopardos e as saudosas Rogéria e Jane di Castro. Mas até o Brasil ficou pequeno para seu talento. Na Europa, estabeleceu-se na Suíça e hipnotizou plateias na Alemanha, França, Holanda e até nos Emirados Árabes. E foi no auge dessa jornada sem fronteiras que descobriu seu novo trunfo: a dança do ventre, que lhe garantiu ainda mais contratos e reconhecimento.
Neste domingo, é outro talento que vem à tona. Como homenageada da Noite das Estrelas, Márcia assume o estilo Master Vogue para celebrar a obra da cantora norte-americana Roberta Flack e já prepara um vestido deslumbrante para esse momento especial. “Adoro bordar, criar minhas roupas. É assim que gosto de me expressar, do jeito que eu quero”, brada, enquanto costura a mesma autenticidade que sempre a guiou.