RIVÂNIA // EDUCAçãO ENSINO REGULAR » A menina que escreveu o próprio enredo Ganhadora do Grande Prêmio Orgulho de PE tem 8 anos, mora no interior, e é uma inspiração nacional

Silvia Bessa
silvia.bessa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 02/12/2017 03:00

Rivânia acorda todos os dias às 4h30 junto com o sol. Nunca precisa ser despertada, como a maioria das crianças de 8 anos. Quem a sacoleja é o ardoroso sonho dela em aprender. Aquele mesmo que a tornou espécie de ícone da educação no Brasil, após ter escolhido salvar livros quando teve de fugir em maio deste ano de uma grande enchente do Rio Una. Na ocasião, uma chuva torrencial elevou o nível da água, tendo alagado a humilde comunidade da Várzea, em São José da Coroa Grande, e deixado 55 mil desabrigados em Pernambuco.

Na residência de Rivânia Rogéria Ramos Silva, feita de chão e cimento batido, não há saneamento e o banheiro é um pequeno quadrado na área externa da casa, onde se toma banhos de cuia e balde. Determinada, levanta-se muitas vezes antes de todos para se preparar para ir ao colégio. Quando dá fé, a avó, que é uma referência maternal, prepara com carinho o pão com ovo, cardápio preferido do café da menina, para manter Rivânia alimentada parte da manhã. É o começo da jornada de estudo, que se estende até o terceiro expediente, o da noite. “Estudo toda hora”, enfatiza para reforçar seu interesse.

Rivânia está aprendendo a ler. “É fraquinha ainda. Sabe quase nada”, explica dona Maria Ivone, a avó de 67 anos, analfabeta, mãe de 26, que criou a neta como a vigésima sétima filha. Por meio de Rivânia, dona Maria sonha em ver o fim da pobreza. “Se Deus quiser ela vai conseguir um futuro melhor. Amo muito. É o orgulho de mãe”. Ninguém imagina aquela garota franzina de vestido vermelho de alcinhas, que subiu descalças em uma jangada e agarrou-se a uma mochila protegendo-a com seus bracinhos, sem saber ler, mesmo se mostrando tão envolvida nos livros. Mas ali, há seis meses, ela não era capaz de formar frases. Só conhecia letras.

“Agora diz que está aprendendo palavras difíceis”, conta Michele Belo, conterrânea que tem ajudado Rivânia em tempos de comoção social e dado inclusive um abrigo confortável e seguro em dois dias na semana para que ela possa frequentar, no período da tarde, aulas de reforço na Escola Bíblica. Ao fim do pôr do sol, Rivânia renova a energia e segue para a banca de estudo oferecida por “tia Keu”, uma senhorinha que voluntariamente tenta fazer o aprendizado mais rápido. Uma hora toda noite, de forma quase religiosa, Keu e Rivânia estão juntas.

O COMEÇO
Rivânia, “A menina que salvava livros”, como foi definida no título do artigo publicado no Diario de Pernambuco no dia 1º de junho deste ano e como ficou conhecida estados afora, comoveu um Brasil inteiro. Foi capa de vários sites na internet, personagem principal de matérias de jornais de grande circulação no país, tema de reportagens televisivas e programas de entretenimento. “Até autógrafos eu dou”, contou, com um sorriso à vontade, esta semana quando esteve no Recife. Nos autógrafos, assina “Ri”, acompanhado por um coração. Já tinha dito algo parecido em encontro emocionado com a apresentadora Xuxa Meneghel em São Paulo, no dia no qual esteve no programa de Rodrigo Faro, da Rede Record.

A reverência a Rivânia parte de um público heterogêneo. Há uma semana, fez história no setor público: foi a primeira criança a receber uma Medalha da Defesa Civil Nacional, honraria concedida pelo Ministério da Integração a personalidades que agiram “com bravura e ajudaram a salvar vidas em desastres naturais”. A solenidade aconteceu em Brasília e reuniu autoridades do Planalto. De vestido rodado, ela foi a estrela da festa solene.

O MEIO

Por onde circula, Rivânia atrai olhares e suspiros emocionados de gente letrada inclusive. Sempre é considerada inspiração para um país que tem grandes dificuldades no que diz respeito à educação e que investe pouco na área (o novo relatório da  Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, mostra que, comparando-se os 35 países membros, o Brasil é um dos países que menos gastam com alunos do ensino médio e fundamental). Talvez por este motivo a imagem e o pensamento de Rivânia tenha ganhado alcance até internacional e deixado no estado de origem a sensação de que ela é um orgulho nosso.  

E, se antes era uma sensação coletiva abstrata, pode dizer que o rótulo dado a Rivânia agora é oficial. Na última terça-feira, a menina foi ovacionada ao subir no palco do Prêmio Orgulho de Pernambuco, concedido pelo Diario de Pernambuco, em evento no Gabinete Português de leitura, no Recife. Ela conquistou a vitória por votação popular. Ganhou o troféu das mãos da representante da patrona da categoria Educação e ensino regular, a diretora do Colégio Santa Maria, Rosa Amélia Muniz. Em memória, a patrona é Maria das Dores Muniz, fundadora da instituição.

Rivânia parecia emoldurada pela coleção de livros antigos do belo salão do Gabinete. Fez com que lembrasse da história preferida dela, a do conto da Bela e Fera, escrito em 1740 por Gabrielle-Suzanne Barbot e massificado mundialmente na adaptação feita em 1756 por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont. “É o meu preferido”, revelou ela, antes de segurar a ponta do vestido de cetim costurado pela avó, dona Maria, para fotos como premiada. Rivânia estava em busca de compreender o que significava o prêmio. “Você sabe o que é orgulho?”, perguntou. Reconhecendo o significado, apressou-se em jogar de lado sua timidez e dizer: “A coisa que eu tenho mais orgulho é da minha escola e das minhas professoras Jadiane, Cristiane, Gabi e Clara. Elas ensinam muito bem”, derreteu-se pelas suas admiradoras.

O FIM

“O avanço de Rivânia é notável. Descobrimos o problema de visão, estamos juntos e vemos o progresso”, garante Michele Belo, que chegou na vida de Rivânia ao fazer doações à comunidade da Várzea do Una, uma das mais atingidas pela enchente em São José. Quem paga os estudos, fardamento e material escolar de Rivânia é empresário pernambucano Augusto Acioli. “Foi o único que prometeu e cumpriu porque surgiram alguns padrinhos financeiros mas, depois de um ou dois meses, somem”, lamenta.

Rivânia vive em condição de pobreza e continua precisando de ajuda social e financeira. Aguarda a conclusão da casa prometida pela equipe do apresentador Rodrigo Faro e a família enfrenta necessidades diárias até para se alimentar. Os quatro irmãos da menina passaram a morar na casa da avó dela, com Rivânia, porque a mãe, Gilvânia, perdeu a guarda dos filhos. “Eu não sei ainda o que quero ser, mas sei que quero um futuro melhor para minha família”.  

A história da menina Rivânia é um livro

Nas imagens ao lado, a menina, o melhor exemplo dado por um brasileiro para a educação no ano de 2017,  em dois momentos:  no dia da enchente que abateu a sua família e no qual ela salvou seus livros preterindo bonecas; e, em São Paulo, ao lado do apresentador Rodrigo Faro