Jô MAZZAROLO // JORNALISMO TELEVISIVO » Poderosa do jornalismo, ela gosta mesmo é do povão Ganhadora do Prêmio Orgulho de Pernambuco defende o Brasil além das catástrofes

Silvia Bessa
silvia.bessa@diariopernambuco.com.br

Publicação: 02/12/2017 03:00

Jô Mazzarolo é frequentadora da Academia da Cidade do Parque Santana e tem preferência por fazer o percurso até lá numa bicicleta. Abre um sorriso quando fala do prazer de comer pão com manteiga da pousada modesta do interior e de sentar na praça para conversar com o pernambucano que não tem sobrenome pomposo. Visitou dezenas de municípios do estado - e deixa clara esta satisfação ao mencionar alguns localizando-os no nosso mapa espichado. Até emTrindade, na ponta final e quase no Piauí, já mirou a curiosidade. Está sempre a trabalho e a passeio. “Penso melhor conhecendo. Não consigo ter muita ideia nova sem ver coisa nova, como o comportamento das pessoas numa feira livre, uma manifestação cultural...Mas nunca foi só obrigação”.

Das mulheres mais influentes de Pernambuco, a jornalista e diretora da Globo Nordeste, Jô Mazzarolo, nasceu na zona rural de Veranópolis, no Rio Grande do Sul, cresceu com treze irmãos e comprou sua primeira roupa aos 20 anos. Antes, herdava dos mais velhos. É daquelas mulheres que pode até abrir mão da maquiagem em solenidades elegantes, dizem conhecidos, preza pela discrição e gosta de cultivar a simplicidade nas relações pessoais. Outro dia ligou para o Frei Nunes, capuchinho do Convento da Basílica da Penha, para anunciar que lhe daria um mandolate. Quase ninguém conhece o doce. É uma raridade, receita de família feita com amêndoas que exige um revezamento de cozinheiras por horas. “Jô, esse doce tem gosto de quero mais”, avisou logo o frei sertanejo. “Qualquer dia ganho outro. A esperança é a última que morre”, brincou ele, que, por sua vez, manda-lhe mel da cidade agrestina de Itaíba.

Jô saiu de Veranópolis; mas há muito do que viu e viveu lá no modo de vida dela e na forma como faz jornalismo há décadas. Na casa de dona Catarina e seu Avelino, os quatorzes filhos eram obrigados a participarem de tudo que era palestra ou evento que acontecia na cidade. Se era de graça, não interessava que idade tinham. A frase que se ouvia da mãe era esta: “Alguma coisa você vai aprender”. Aí a assembleia de filhos se vestia. Era uma família de pais com poucas posses e estudos, um pedreiro de pedreira e uma camponesa, que priorizavam a educação. “Podia chover a cântaros, mas não faltávamos à aula por nada”. As crianças, divididas em três turmas de cinco, andavam cinco quilômetros até a escola, mas para elas toda semana tinha leitura nova disponível em casa: o jornal Correio Riograndense, impresso em Caxias do Sul, e a Revista Família Cristã (Paulinas). Sobre as notícias, conversavam com a tradição italiana, regando pão e vinho. Crescidos, seguem uma regra até hoje. “Deixamos os títulos na porta quando estamos juntos. Somos apenas irmãos”.

A irmã Bernardete descobriu há dois anos que escolheu para Jô a profissão na qual ela teve sucesso e que a levou esta semana, inclusive, a receber o Prêmio Grande Orgulho de Pernambuco na categoria Jornalismo televisivo - uma honraria concedida pelo Diario de Pernambuco e entregue terça-feira no Gabinete Português de Leitura. “Tem um curso novo que você vai gostar”. Jô Mazzarolo fez a inscrição para concorrer a uma vaga para estudar jornalismo sem nunca ter ouvido falar no que era jornalismo. Aos 16 anos, trabalhava durante o dia com capuchinhos; estudava à noite no ensino médio. “Soube que passei no vestibular pela vizinha. A emissora de rádio que ela sincronizou foi mais rápida que a minha”. Quando arrumou as malas para ir estudar na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, levou  a frase da mãe e outra repetida por seu pai Avelino: “Faça qualquer coisa mas faça bem feito”.

O pensamento de dona Catarina e seu Avelino a guiaram quando foi ser repórter da Bandeirantes (“Eu tinha paixão por televisão mas, para aprender, olhava tudo que os outros faziam”); quando disse que queria “voar” e foi morar no Rio de Janeiro, quando assumiu cargos de editora, editora executiva no Jornal Hoje, da Globo e funções no Jornal Nacional. “Sempre tive a ideia de retratar a vida dos brasileiros. Não só o Brasil da catástrofe. Acho que existe a vida de pessoas interessantíssimas que trabalham, que pagam impostos. Essa é a notícia que deve ser dada”. A do simples.

“Precisamos resgatar a arte de perguntar”

A decisão mais rápida que Jô Mazzarolo tomou na profissão dela foi a de mudar-se para Pernambuco com o marido e duas crianças pequenas, João e Pedro, há exatos 17 anos. Curitiba ou Recife, perguntaram-lhe, com a ressalva: “Você tem cinco minutos para responder”. Após uma ligação para consultar o marido Alfredo, aceitou. Aqui, impressionou-se com a claridade do sol ao abrir a janela e partiram daí as mudanças na Globo Nordeste, implantando um ar menos sisudo e mais participativo em noticiários - algo copiado por outras praças.

“Acho que ela nunca deixou de ser repórter. Gosta de sugerir, tem fontes. Jô é incansável”, descreve a repórter Beatriz Castro. “Para você ter uma ideia, ela consegue participar da cobertura do Homem da Meia Noite e, no dia seguinte, do Galo da Madrugada. É muito presente em todo o processo”. No Recife, Jô diz que passou a sorrir mais. Aprendeu com o pernambucano, de quem diz ter orgulho. “Tenho dois orgulhos: da minha equipe e do povo pernambucano. É um povo grato, simples, receptivo, generoso”. Diz se sentir testemunha de uma virada do estado. Mudaram a comunicação e a vida da cidade. “As pessoas passaram a usar bicicletas, você vê a cidade ativa às 4h30. Antes não havia ponto de táxi nos dias de domingo, tinha apenas uma livraria”.

Há quem diga que Jô Mazzarolo transformou-se em nordestina: “Para mim, é uma baraúna, como uma árvore do Sertão, que aguenta crise, vendaval e não arria. É simples e gosta mesmo é do povão”, afirma Frei Nunes. Na prática, Jô vem apostando no noticiário com tom comunitário, incentiva a produção de especiais locais e culturais e inova. A Globo Pernambuco, por exemplo, tem três noticiários. Dois deles contam com apresentadores negros, Márcio Bonfim e Pedro Lins.

Jô costuma mexer o xadrez, surpreender com propostas além do padrão e tem um olhar único como garimpeira para revelar novos talentos. Sobre o futuro do jornalismo, tema dos mais atuais no mundo inteiro, é categórica: “Estamos em um período de transição. Temos mais tecnologias mas continuamos precisando de seres humanos inteligentes por trás dos equipamentos”.

Mudaram os cargos e as funções mas existem - frisa - dois pilares que devem ser mantidos: “Um é educação e outro humildade porque durante muito tempo nós, jornalistas, achávamos que tínhamos liberdade para ser mais do que deveríamos. Hoje você percebe que é um instrumento entre quem tem informação e quem necessita. Devemos entender o povo. Precisamos resgatar a arte de perguntar e praticar a humildade”.

Nesta frase, a Jô de Veranópolis e a Jô Mazzarolo do Recife, assim como a formação pessoal e profissional dela, se encontram.