FERNANDO COELHO // DIREITOS HUMANOS »
Política só se conjuga com cidadania
Coelho atuou como deputado estadual, presidente da OAB-PE e coordenador da Comissão da Verdade
JAILSON DA PAZ
jailson.paz@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 02/12/2017 03:00
A política está nos relatos que Fernando de Vasconcelos Coelho faz da vida. No alinhavar do passado com o presente, as palavras do advogado, 85 anos, evidenciam que o modo dele fazer política anda colado à defesa da cidadania. Fácil compreender a união. A política, segundo ele, “é o caminho” para as mudanças e o lamentar sem atitudes, palavras perdidas. Por isso, o novelo histórico deste paraibano, adotado e adotante do Recife, desenrolou-se com tantos embates, seja como deputado federal e presidente da OAB em Pernambuco, nos anos 1970 e 1980, seja recentemente coordenando a Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara.
As inquietudes políticas de Fernando seguiram um ritmo parecido às mudanças de endereços da infância. O pai, Eusébio Joaquim da Silva Coelho Filho, funcionário público do Ministério da Fazenda, era transferido e a família numerosa o seguia. Eram dez filhos. Na escadinha, Fernando foi o sexto a nascer. Com dois ou três anos de idade, partiu de Campina Grande para Belo Horizonte. Quis a história, por a mãe, Maria de Vasconcelos Coelho, estar em serviço de parto do décimo filho, que morassem quase um ano no Rio de Janeiro antes do desembarque na capital mineira. De Belo Horizonte, a vinda para o Recife, onde a família fincou raízes.
O mundo do Recife, quando Fernando aqui desembarcou, era guiado pelas notícias da II Guerra Mundial e pela presença de militares dos Estados Unidos. “Em Boa Viagem, eu, menino, passava em frente à casa do comandante da esquadra americana do Atlântico Sul”, contou. Do governo norte-americano vinham exemplares da revista Em guarda. Falavam do conflito mundial. Das mãos dos militares, tomou Coca-Cola, ainda não à venda na cidade, pela primeira vez. Tinha 11 anos. “Era a realização de um sonho. Nas fotos das revistas Seleções, a gente via até os pingos de gelo”. A influência dos gringos estava também nos filmes, nos faroestes que figuram entre os preferidos de Fernando, um colecionador da sétima arte. São mais de cinco mil títulos.
Respirava-se política dentro e fora da casa dos Vasconcelos Coelho. As discussões eram abertas. O pai pendia para o PTB, de Getulio Vargas. A mãe, para a UDN, oposição a Getulio. Esse espírito democrático, Fernando procurou levar para a família que construiu com Isolda van der Linden, com a qual tem três filhos. A sensibilidade social do pai e o ambiente familiar em que a justiça era assunto permanente influenciaram na escolha pela área jurídica. E o estudo na universidade, na Faculdade de Direito do Recife, ampliou os horizontes de Fernando, já experiente no conselho da União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (Uespe). Na época, foi eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e presidente do Clube Universitário, voltado ao lazer dos estudantes.
Apegado à leitura, o advogado guarda recortes de jornais e detalhes precisos de reuniões, conversas e paisagens na memória. Os nomes das pessoas com quem conviveu são lembrados, em geral, completos: Demócrito de Sousa Filho, estudante assassinado em 1945 durante protesto contra Vargas e visitante costumeiro de sua casa, Pelópidas Silveira, ex-prefeito do Recife, com quem trabalhou, Marcos Barreto Freire, amigo de faculdade, senador eleito em 1974 e companheiro de chapa, derrotada, ao governo de Pernambuco em 1982. Marcos na cabeça e ele na vice. As memórias são cuidadas como joia. E são. De relatos do tempo em que esteve à frente das procuradorias Administrativa e Judicial do Recife, entre 1960 e 1963, e da presidência do Instituto dos Servidores do Estado de Pernambuco (Ipsep), entre 1963 e 1964, todos em governos de Miguel Arraes, há lições imprescindíveis à cidadania. Cito duas. A urbanização de Boa Viagem, negociada com a população, e o zelo com as viúvas e aposentados do estado.
Remédios e escova de dentes no bolso à espera da prisão
Ao coordenar a Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara, Fernando de Coelho se reencontrou com um dos períodos políticos mais difíceis de sua vida, a ditadura civil-militar (1964-1985). “Só sabe realmente quem era aquele tempo quem viveu. Não se tinha garantias e nem segurança”. Anunciado o golpe, o advogado e professor de direito, então na presidência do Ipsep, não teve tempo de organizar o birô. Por meses, andou com remédios e escova de dentes nos bolsos, temendo ser preso, o que aconteceu com militantes de esquerda.
A comissão, em cinco anos de trabalho, teve acesso a documentos que esclareceram detalhes de torturas e assassinatos praticados por agentes do governo. Entre as vítimas, David Capistrano, Manoel Lisboa, padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, próximo a dom Helder Camara, arcebispo de Olinda e Recife. Sobre dom Helder, a comissão, instituída em junho de 2012, esclareceu a articulação dos militares com autoridades e empresas suecas para o arcebispo não ganhar o Nobel da Paz.
“Era o tempo da Guerra Fria. Diferente de hoje, havia dois lados bem definidos e uma preocupação em tachar os opositores ao regime de comunistas”, lembrou Fernando. E a luta contra o regime se daria por duas vertentes, o confronto armada ou via institucional. Fernando enveredou pelo enfrentamento pela segunda, participando da fundação do MDB, posteriormente, como o fim do bipartidarismo, PMDB. Pela legenda, elegeu-se duas vezes deputado federal, nos anos 1974 e 1978. “Fui eleito sem comprar um voto e sem nunca ter sido sequer vereador”, ressalta. Teve ao seu favor a memória de quem foi beneficiado por sua atuação nos governos, municipal e estadual, de Miguel Arraes.
Como deputado, Fernando Coelho abraçou a causa da anistia política, conseguida em 1979. Defendeu, em Projeto de Lei, que as empresas nacionais de importância para o desenvolvimento econômico e segurança nacional fossem inalienáveis e fora do comércio. Seriam os casos da Petrobras e da Eletrobras. “Hoje vejo gente se vangloriando por estar vendendo, por bola de goma, o que foi resultado de uma luta grande”, desabafou. E desta “luta grande”, ele se orgulha de ter participado.
As inquietudes políticas de Fernando seguiram um ritmo parecido às mudanças de endereços da infância. O pai, Eusébio Joaquim da Silva Coelho Filho, funcionário público do Ministério da Fazenda, era transferido e a família numerosa o seguia. Eram dez filhos. Na escadinha, Fernando foi o sexto a nascer. Com dois ou três anos de idade, partiu de Campina Grande para Belo Horizonte. Quis a história, por a mãe, Maria de Vasconcelos Coelho, estar em serviço de parto do décimo filho, que morassem quase um ano no Rio de Janeiro antes do desembarque na capital mineira. De Belo Horizonte, a vinda para o Recife, onde a família fincou raízes.
O mundo do Recife, quando Fernando aqui desembarcou, era guiado pelas notícias da II Guerra Mundial e pela presença de militares dos Estados Unidos. “Em Boa Viagem, eu, menino, passava em frente à casa do comandante da esquadra americana do Atlântico Sul”, contou. Do governo norte-americano vinham exemplares da revista Em guarda. Falavam do conflito mundial. Das mãos dos militares, tomou Coca-Cola, ainda não à venda na cidade, pela primeira vez. Tinha 11 anos. “Era a realização de um sonho. Nas fotos das revistas Seleções, a gente via até os pingos de gelo”. A influência dos gringos estava também nos filmes, nos faroestes que figuram entre os preferidos de Fernando, um colecionador da sétima arte. São mais de cinco mil títulos.
Respirava-se política dentro e fora da casa dos Vasconcelos Coelho. As discussões eram abertas. O pai pendia para o PTB, de Getulio Vargas. A mãe, para a UDN, oposição a Getulio. Esse espírito democrático, Fernando procurou levar para a família que construiu com Isolda van der Linden, com a qual tem três filhos. A sensibilidade social do pai e o ambiente familiar em que a justiça era assunto permanente influenciaram na escolha pela área jurídica. E o estudo na universidade, na Faculdade de Direito do Recife, ampliou os horizontes de Fernando, já experiente no conselho da União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (Uespe). Na época, foi eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e presidente do Clube Universitário, voltado ao lazer dos estudantes.
Apegado à leitura, o advogado guarda recortes de jornais e detalhes precisos de reuniões, conversas e paisagens na memória. Os nomes das pessoas com quem conviveu são lembrados, em geral, completos: Demócrito de Sousa Filho, estudante assassinado em 1945 durante protesto contra Vargas e visitante costumeiro de sua casa, Pelópidas Silveira, ex-prefeito do Recife, com quem trabalhou, Marcos Barreto Freire, amigo de faculdade, senador eleito em 1974 e companheiro de chapa, derrotada, ao governo de Pernambuco em 1982. Marcos na cabeça e ele na vice. As memórias são cuidadas como joia. E são. De relatos do tempo em que esteve à frente das procuradorias Administrativa e Judicial do Recife, entre 1960 e 1963, e da presidência do Instituto dos Servidores do Estado de Pernambuco (Ipsep), entre 1963 e 1964, todos em governos de Miguel Arraes, há lições imprescindíveis à cidadania. Cito duas. A urbanização de Boa Viagem, negociada com a população, e o zelo com as viúvas e aposentados do estado.
Remédios e escova de dentes no bolso à espera da prisão
Ao coordenar a Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara, Fernando de Coelho se reencontrou com um dos períodos políticos mais difíceis de sua vida, a ditadura civil-militar (1964-1985). “Só sabe realmente quem era aquele tempo quem viveu. Não se tinha garantias e nem segurança”. Anunciado o golpe, o advogado e professor de direito, então na presidência do Ipsep, não teve tempo de organizar o birô. Por meses, andou com remédios e escova de dentes nos bolsos, temendo ser preso, o que aconteceu com militantes de esquerda.
A comissão, em cinco anos de trabalho, teve acesso a documentos que esclareceram detalhes de torturas e assassinatos praticados por agentes do governo. Entre as vítimas, David Capistrano, Manoel Lisboa, padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, próximo a dom Helder Camara, arcebispo de Olinda e Recife. Sobre dom Helder, a comissão, instituída em junho de 2012, esclareceu a articulação dos militares com autoridades e empresas suecas para o arcebispo não ganhar o Nobel da Paz.
“Era o tempo da Guerra Fria. Diferente de hoje, havia dois lados bem definidos e uma preocupação em tachar os opositores ao regime de comunistas”, lembrou Fernando. E a luta contra o regime se daria por duas vertentes, o confronto armada ou via institucional. Fernando enveredou pelo enfrentamento pela segunda, participando da fundação do MDB, posteriormente, como o fim do bipartidarismo, PMDB. Pela legenda, elegeu-se duas vezes deputado federal, nos anos 1974 e 1978. “Fui eleito sem comprar um voto e sem nunca ter sido sequer vereador”, ressalta. Teve ao seu favor a memória de quem foi beneficiado por sua atuação nos governos, municipal e estadual, de Miguel Arraes.
Como deputado, Fernando Coelho abraçou a causa da anistia política, conseguida em 1979. Defendeu, em Projeto de Lei, que as empresas nacionais de importância para o desenvolvimento econômico e segurança nacional fossem inalienáveis e fora do comércio. Seriam os casos da Petrobras e da Eletrobras. “Hoje vejo gente se vangloriando por estar vendendo, por bola de goma, o que foi resultado de uma luta grande”, desabafou. E desta “luta grande”, ele se orgulha de ter participado.
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