Biossimilares, os remédios do futuro Medicamentos poderão gerar tratamentos mais baratos para doenças como câncer e artrite reumatoide

ANAMARIA NASCIMENTO
anamaria.nascimento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 29/10/2016 09:00

São Paulo - Produzida a partir de células vivas - como bactérias, fungos ou células de mamíferos, purificados em laboratório - uma nova classe de medicamentos está surgindo no Brasil e promete revolucionar a indústria farmacêutica do país, como já aconteceu nos Estados Unidos e na Europa. Os biossimilares, remédios indicados para o tratamento de doenças crônicas ou agudas, como câncer e artrite reumatoide, são considerados o produto da “medicina do futuro”, com potencial de terem custos mais baixos, mantendo a eficiência dos medicamentos biológicos originais.

Os biossimilares estão para os biológicos como os genéricos - que se popularizaram em 2000 e hoje representam cerca de 20% das vendas nas farmácias do país - estão para os medicamentos sintéticos. Da mesma forma que os genéricos, os biossimilares garantem uma redução de custo devido ao menor número de etapas nos testes clínicos. Dados de 2010 do Ministério da Saúde revelam que apenas 2% dos remédios adquiridos para o Sistema Único de Saúde (SUS) são biológicos (referência para os biossimilares), mas esse tipo de medicamento consome 41% do orçamento da pasta. Insulina e hormônio do crescimento são exemplos de medicamentos biológicos.

De acordo com a diretora do laboratório de biofármacos em células animais da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Instituto Butantan, Ana Maria Moro, a produção de biossimilares no Brasil representa a ampliação de acesso a medicamentos que hoje são muito restritos. O preço médio de 50 miligramas do biofármaco rituximabe no país, por exemplo, é de R$ 6 mil. Com a produção do biossimilar, esse preço deve diminuir. “Produzir biossimilares coloca o Brasil no mapa da biotecnologia”, enfatizou a pesquisadora.

A produção de rituximabe, que pode ser usado no tratamento de câncer, está sendo testada pela indústria farmacêutica Libbs, que vai inaugurar no dia 25 de novembro, em São Paulo, o maior laboratório da América Latina para biossimilares que utiliza biorreatores com bolsas descartáveis. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) visitou e aprovou as instalações em setembro, e o registro do primeiro biossimilar - rituximabe - deve acontecer no primeiro semestre de 2017. A operação comercial, porém, só deve ocorrer em 2018.

O médico do setor de mastologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Franklin Pimentel, observa que o Brasil está atrasado quando o assunto é biossimilares. Nos Estados Unidos, os biossimilares já foram aprovados. A Europa é o continente mais avançado nesse sentido e já liberou 21 biossimilares. No ano passado, o Brasil aprovou o primeiro “genérico de biológicos”, o infliximabe. “O tema biossimilares tem envolvido várias publicações acadêmicas em todo o mundo. Ainda é um assunto novo, mas bastante explorado nos últimos anos. Falar de biossimilar é falar da medicina do futuro”, afirmou.

Entenda

O que são biossimilares?

  • Diferente dos medicamentos sintéticos, que são produzidos por reações químicas bem definidas
  • Os biossimilares, assim como outros medicamentos biológicos, são moléculas complexas produzidas por células vivas
  • Por meio da engenharia genética, essa célula é modificada, e o anticorpo é sintetizado
  • Passa por vários processos até ser uma molécula pura que será empregada para atacar e combater alvos específicos
Os biossimilares…

…no Brasil

  • Foi pioneiro na América Latina na criação, em 2010, de uma legislação para os biossimilares, com regras mais rigorosas que as de países como Paraguai e Bolívia
  • Pela legislação brasileira, o fabricante deve realizar centenas de testes para provar que o produto é equivalente ao biológico de referência
  • A equivalência deve ser comprovada em itens como estrutura, função, eficácia e segurança
  • Em 2015, a Anvisa aprovou o primeiro biossimilar infliximabe no Brasil
…no mundo
  • Em 2015, a FDA, órgão que regula os medicamentos nos Estados Unidos, concedeu pela primeira
  • vez a uma empresa o direito de comercializar biossimilares
  • Na União Europeia, os pedidos de autorização para comercialização de biossimilares são avaliados
  • pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA)
  • A União Europeia foi a primeira região do mundo a regulamentar os biossimilares, tendo o primeiro medicamento aprovado em 2006
  • Em 2016, a Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), uma divisão do Ministério da Saúde da Índia, lançou um guia para o uso de biossimilares no país
Como é produzido um medicamento biossimilar*

1) Desenvolvimento do biossimilar

Origem da célula
De um anticorpo monoclonal (anticorpos produzidos por um único clone de um linfócito B parental) disponível comercialmente e que tenha perdido a patente é deduzida a sequência genética (código para a síntese do anticorpo de interesse) que é, então, sintetizada e inserida em uma célula hospedeira.

Produção do anticorpo
Isola-se uma única célula capaz de produzir o anticorpo de interesse de grande quantidade.

Banco de células
A célula capaz de produzir o anticorpo é replicada, gerando uma população de células idênticas com capacidade de produzir o anticorpo. Essas células são armazenadas em pequenos tubos a baixas temperaturas. Esse é o chamado banco de células.

2) Produção no laboratório

Cultivo de céculas e produção do anticorpo

A partir de um tubo do banco, as células são multiplicadas através de etapas sucessivas com volume crescente de meio rico em nutrientes até chegar a um biorreator de dois mil litros, processo conhecido como upstream. Nessa fase, elas começam a produzir o anticorpo e o liberam no meio.

Purificação e isolamento
O anticorpo passa por diversas etapas de isolamento e purificação em um processo chamado downstream. Nele ocorre a eliminação das impurezas para garantir o anticorpo monoclonal com alto grau de pureza.

Formulação e envase
Após as diversas etapas de purificação, o produto finalmente é formulado e colocado em vasos. Após esse processo, o biossimilar estará pronto para uso.

3) Ação no organismo


Ação no organismo
No corpo do paciente, o anticorpo monoclonal atua diretamente nas células alvo.

Combatendo o tumor
O anticorpo monoclonal do medicamento se liga a receptores da célula maligna e emite um sinal. Células de defesa são acionadas e chegam para destruir a célula tumoral.

* Etapas de desenvolvimento e de fabricação do medicamento rituximabe, usado no tratamento de câncer e artrite reumatoide, primeiro biossimilar produzido pela Libbs.

Fontes: Ministério da Saúde, Anvisa, União Europeia e Libbs Indústria Farmacêutica

Pesquisas apontam eficácia de genéricos

Análises feitas a partir de 20 estudos publicados em revistas científicas internacionais mostram que os biológicos genéricos são tão bons quanto os seus originais. Artigos de em periódicos dos Estados Unidos e da Europa comprovaram que a eficácia, segurança e qualidade dos biossimilares são equivalentes às dos medicamentos de referência.

O médico Franklin Pimentel, do setor de mastologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, explicou que, diferentemente dos genéricos dos medicamentos sintéticos, os biossimilares não podem ser 100% iguais são produtos de referência. “Não tem como ser idêntico, mas a semelhança chega a 99,9%. Um produto biológico (mesmo de referência) nunca é totalmente igual de um lote a outro. Com os biossimilares acontece o mesmo. O que importa é que a segurança e eficiência são as mesmas.”

Para entender a impossibilidade de os biossimilares serem idênticos aos biológicos é preciso diferenciar os remédios tradicionais dos biológicos. Enquanto os tradicionais têm uma base química, podem ser reproduzidos com as mesmas características usando o mesmo princípio ativo. No caso dos biológicos, como vacinas e a insulina, a base está em um ser vivo, o que há uma célula modificada pela biotecnologia. Assim, é impossível produzir uma cópia perfeita. Por essas questões os custos de produção - e, portanto, de comercialização - dos biológicos são elevados. Apenas com a quebra da patente deles é possível produzir os biossimilares, o que representa uma redução de gastos de produção e para a saúde pública.

A repórter viajou a convite da Libbs.