Cirurgia cardíaca menos invasiva reduz riscos Método voltado a corrigir insuficiência da válvula mitral, que atinge 10% das pessoas com mais de 75 anos, começou a ser aplicado com sucesso em Pernambuco

Alice de Souza
alice.souza@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 07/07/2018 03:00

Uma das intercorrências mais comuns no coração, a insuficiência valvar mitral atinge uma em cada 10 pessoas com mais de 75 anos. A condição, que altera o processo de distribuição do sangue para o corpo, pode levar à insuficiência cardíaca e à morte. O principal tratamento é cirúrgico, porém metade dos pacientes não pode ser submetida à intervenção, em função do alto risco associado com a idade. Entretanto, um novo método menos invasivo começou a ser praticado em maio, em Pernambuco, para mudar essa realidade.

A insuficiência valvar mitral, explica o cardiologista intervencionista Heitor Medeiros Filho, acomete entre 7% a 10% das pessoas acima dos 75 anos. Pode ser diagnosticada mesmo em quem nunca tenha apresentado doença cardiovascular ao longo da vida. “Há uma falha na válvula, decorrente de um processo de calcificação em seus folhetos (estruturas que evitam o refluxo do sangue)”, explica o médico. Segundo ele, as pessoas acometidas pela insuficiência podem conviver semanas, meses ou anos com o problema.

A insuficiência pode acontecer em vários graus. O mais leve não produz sintomas, enquanto o agudo leva à necessidade de reparar ou substituir a válvula. Para esses casos, a cirurgia é recomendada. “O procedimento tradicional ocorre abrindo o tórax do paciente para colocar uma válvula nova, que pode ser mecânica ou biológica. Há, inclusive, a necessidade de fazer uma circulação extracorpórea do sangue. Porém, muitos pacientes em condição frágil e com comorbidades (outras doenças associadas) não podem ser operados”, explica a hemodinamicista Maria Antonieta Albanez. Entre 20% a 30% das pessoas chegam a ter Acidente Vascular Cerebral (AVC) após passar pelo procedimento, devido à sua complexidade.

A nova técnica, utilizada pela primeira vez no Recife neste ano, exclui a necessidade de abertura do tórax para correção da insuficiência mitral. “Agora é possível fazer o fechamento da válvula de forma percutânea, ou seja, com o auxílio de um cateter que leva uma espécie de clipe pela veia femoral até perfurar o septo atrial e fechar o espaço da insuficiência”, explica Maria Antonieta Albanez. O clipe funciona interligando os folhetos da válvula e impedindo que o sangue volte para o átrio esquerdo.

A cirurgia dessa forma dura cerca de duas horas. O tempo de recuperação é de menos de 15 dias, com dois a quatro dias no hospital, enquanto no método tradicional a pessoa pode demorar meses para se recuperar, passando cerca de 10 dias em uma unidade hospitalar. O sistema MitraClip (como é chamado) recebeu aprovação para uso na Europa em 2008 e nos Estados Unidos em 2013. No Brasil, vem sendo realizado há quatro anos. No Nordeste, a primeira cirurgia do gênero aconteceu em Salvador, na Bahia. Em Pernambuco, o procedimento foi acompanhado por cardiologistas de Cleveland, nos Estados Unidos.

Até então, foram cerca de 200 operações semelhantes no Brasil. Uma delas, a da empresária Célia Batista, no último dia 5 de maio, no Hospital Português. Célia tem um prolapso da válvula mitral (conhecido como sopro no coração). Depois de passar mal durante um voo, ela descobriu que estava com uma ruptura e precisaria se submeter a uma cirurgia. “Já tinha passado por uma abertura de tórax anterior, por causa de uma calcificação na aorta, e não queria novamente. O tempo total de recuperação tinha sido de seis meses, eu sentia muita dor”, conta.

Desta vez, Célia passou quatro dias no hospital e, com 15 dias de operada, já estava viajando e retomando as atividades normais. “Passei a não sentir mais aquele cansaço de antes. Voltei a viver normalmente.” Atualmente, mais dois pacientes aguardam para fazer a cirurgia pelo MitraClip em Pernambuco. A ideia é que o caso sirva de modelo para disseminar a técnica.

Entenda

A válvula mitral

O coração possui quatro válvulas. A válvula mitral é uma estrutura que permite a passagem do sangue do átrio esquerdo para ventrículo esquerdo.

A insuficiência valvar mitral
Condição em que a válvula mitral não fecha totalmente e, dessa forma, parte do sangue retorna aos pulmões em vez de sair do coração para irrigar o corpo.

Sintomas
  • Falta de ar
  • Cansaço
  • Tosse
  • Palpitações
  • Inchaço nos pés e tornozelos
Causas
  • Degeneração da própria válvula mitral
  • Doença da coronária
  • Doenças reumáticas
  • Endocardite infecciosa
  • Doenças do colágeno, como a síndrome de Marfan
  • Efeito colateral de medicamentos