Califórnia dá início à venda de maconha 'recreativa' Filas se formaram em lojas que oferecem produtos como tortas, flores calmantes, óleos e a própria erva

Veronique Dupont
da Agência France-Presse

Publicação: 06/01/2018 03:00

Desert Hot Springs - O estado mais populoso dos Estados Unidos se transformou, de fato, no maior mercado mundial legal da planta. A Califórnia estreou na segunda-feira a venda e o consumo legal da maconha para fins recreativos, depois de ser desde 1996 o estado pioneiro na utilização da maconha medicinal.

“Estamos muito empolgados, e um pouco nervosos também. Há três vezes mais pessoas que o normal”, explica Nicole Salisbury, 35 anos, proprietária da loja Green Pearl Organics no deserto de Hot Springs.

Na segunda-feira, em todas as partes da Califórnia, os adeptos da maconha fizeram fila nas lojas habilitadas a vender a droga para fins recreativos. Oito estados norte-americanos, entre eles o Colorado, o estado de Washington e a capital, já legalizaram a droga, que continua sendo ilegal em nível federal.

O telefone de Nicole não para de tocar. Cidadãos de outros estados ligam para dizer: “Estou indo passar férias na região, você vende maconha recreativa?”, conta.

Em Green Pearl Organics, a equipe está de pé desde as 8h informando os clientes sobre os diferentes produtos (concentrados, tortas de erva, flores de cannabis calmantes, flores de cannabis euforizantes...).

Após uma manhã tranquila, ao meio-dia a loja está cheia e os estoques de produtos comestíveis começam a escassear.

Agora, para comprar cannabis só é preciso ter mais de 21 anos e mostrar uma carteira de motorista ou de identidade, mesmo que seja de um estado onde a maconha é proibida, e o cliente sai da loja com uma sacola branca selada.

A sala de espera da Green Pearl Organics está cheia de homens e mulheres de todas as idades, muitos deles cidadãos desta região do deserto californiano, situada a duas horas de Los Angeles.

“É ótimo poder comprar maconha sem ter que consultar um médico”, diz Andrew Jennings, texano de 32 anos, que explica que em seu estado de origem “não há nenhum local para comprar cannabis legalmente, com ou sem autorização medicinal”.

“Muitas pessoas acham que consumir maconha significa ficar sentado na poltrona vendo TV, mas segundo a variedade e a intensidade, pode aumentar a concentração”, afirma Jennings, na fila com a namorada, que é professora de ioga.

“Entendo que alguns pensem que é perigosa, mas se vendemos álcool neste país, então podemos vender legalmente maconha. Além disso, contribui com os impostos. E nós conseguimos boa maconha que está sendo testada, então todo mundo sai ganhando”, indica.

Christina, uma terapeuta de 50 anos, veio para experimentar os óleos de cannabis, esperando que lhe ajudem a melhorar seu equilíbrio hormonal e a reduzir sua ansiedade. “Eu experimento esses remédios naturais, mas não quero me tornar uma maconheira”, explica.

Menos “glamurosa” e rica que a vizinha Los Angeles, Desert Hot Springs espera se tornar um destino para apaixonados ou curiosos pela erva procedentes de todo o país.

Muitos empreendedores compram armazéns para cultivar, como Nicole Salisbury, que cultiva suas plantas nos fundos da loja, enquanto trabalha para uma rede de agricultores.

A prefeitura, e inclusive a polícia, se mostram favoráveis a esta indústria em pleno auge que, segundo a empresa de pesquisa Arcview, deveria trazer US$ 5,8 bilhões adicionais para a Califórnia até 2021.

Para Nicole, que abriu sua loja há dois anos, a legalização chega junto com uma vitória pessoal: “Finalmente parei de ter vergonha de dizer o que faço da vida. Antes, quando eu dizia era como se fosse uma prostituta”.

Onde o freguês tem sempre razão

Do pirulito ao produto cultivado com certificado de procedência, a cannabis movimenta um mercado que encontrou na Califórnia um porto seguro para moradores de outros estados norte-americanos

Legalização resulta em mais consumo

Paris - A legalização da maconha pode levar ao aumento do consumo, segundo um estudo francês que analisou os níveis de consumo em dois estados dos Estados Unidos e no Uruguai. O estudo Cannalex, do Instituto de altos estudos de segurança e justiça e do Observatório francês de drogas e toxicomania (OFDT), analisa as experiências de regulação em Washington e no Colorado, que foram os primeiros estados norte-americanos a legalizar a maconha para uso recreativo, em 2012, assim como no Uruguai.

O Uruguai e os dois estados instauraram um processo de legalização da cannabis para uso recreativo e pessoal, autorizando, sob condições, a posse, produção e distribuição. Foi observado que a legalização “não estimulou o consumo” entre os mais jovens, “que permanece em nível elevado”. “Observa-se, no entanto, aumento do consumo de cannabis entre os adultos”, particularmente entre os consumidores ocasionais e regulares de mais de 25 anos.

No Uruguai, que em julho se tornou o primeiro país a legalizar a maconha em nível nacional, “todos os índices de consumo aumentaram”, inclusive entre os adolescentes, aponta o estudo divulgado em outubro do ano passado.

Este fenômeno provoca novos problemas de saúde, como “um aumento importante de casos de hospitalização vinculados a supostas intoxicações por cannabis nos dois estados norte-americanos”. Tanto no Colorado como em Washington o faturamento da indústria da cannabis recreativa está em constante alta, chegando a um bilhão de dólares por ano em cada estado. O setor criou milhares de empregos.

As receitas fiscais vinculadas a estas medidas “são superiores ao montante dos impostos correspondentes ao tabaco”, acrescenta. A legalização não impede, porém, que perdurem os circuitos ilegais, segundo o estudo. No Uruguai, isso acontece porque a produção lícita não satisfaz a demanda, e nos Estados Unidos devido à diferença de preço em relação ao mercado ilegal.

Mas, globalmente, “a legalização da cannabis permitiu reorientar a atividade das forças de segurança e da justiça, em um contexto em que as infrações por uso de cannabis representam mais da metade das detenções por infração à legislação sobre estupefacientes”, ressalta.