Uma vida de alegria nas ladeiras Casal que nasceu, se conheceu e se casou no Sítio Histórico também passou à filha a paixão pelo carnaval

Publicação: 10/02/2018 03:00

A história dos funcionários públicos Márcio e Uiara Lima foi unida pelo carnaval de Olinda. Mas, diferentemente da maioria dos casais que se conhece durante as festas e os blocos, os dois também nasceram na Cidade Alta. Foram vizinhos e, quando crianças, costumavam brincar na rua e participar das mesmas agremiações carnavalescas. Aos 11 anos, começaram a namorar e desde então seus caminhos passaram a ser divididos entre confetes e serpentinas e as ladeiras do Sítio Histórico.

“Casamos aos 22 anos na Igreja do Bonfim. Nossa história tem tanto a ver com o carnaval que contratamos uma orquestra de frevo para desfilar pelas ruas até a Igreja da Boa Hora, que era o local onde a gente se encontrava para namorar. Era outubro de 1982 e naquela época não existiam prévias e desfiles fora do carnaval, como hoje que já começa em setembro. Lembro que os moradores abriram as janelas e não entendiam o que era aquilo. Um bloco de carnaval em pleno mês de outubro? Quando viram que se tratava de uma festa de casamento, começaram a jogar arroz na gente”, lembra Márcio.

Saudoso, conta que ele e a esposa tinham medo da figura do Homem da Meia-Noite. “Sempre foi muito mágico dormir e acordar com o carnaval. Ficávamos ansiosos para ver as fantasias de blocos tradicionais como o Elefante, o Vassourinhas e a Pitombeiras, que desfilavam em carros alegórico. Um dos carnavais mais marcantes foi o quando o Elefante saiu com três elefantes de verdade e malabaristas fazendo acrobacias em cima dos animais. Foi fantástico. Carnaval tem uma mística que não sei explicar”, conta Márcio.

Era na Rua da Boa Hora onde tudo começava. O Sábado de Zé Pereira era o dia de colorir e pintar a via para a espera do Homem da Meia-Noite. “Uma sensação maravilhosa. Acordávamos no domingo de carnaval com o frevo de Capiba no alto-falante da rua. E saíamos para brincar juntos em todos os outros blocos como o Ceroula. Com o passar dos anos, começaram a aparecer outras troças, como Tá Maluco e Segurucu, e continuamos brincando mesmo depois de casados. Claro que hoje não conseguimos acompanhar alguns blocos como o Cariri. Mas é gostoso brincar nas ladeiras, parece que tem uma alma. Há pessoas que só vemos durante o carnaval”, diz Uiara, que nunca brincou em carnaval “de clube”.

Seguindo o frevo nas cidades-irmãs

“Eu sou apaixonado pelo carnaval e pelos frevos instrumentais de rua”. É assim que o professor universitário Alexandre da Maia, 44 anos, define o seu sentimento pela festa de Momo. A relação de Alexandre com a folia também remete a laços familiares fortes.

“Carnaval é uma festa que me remete à infância. A família do meu pai morava no Sítio Histórico de Olinda e eu, meus irmãos, primos, tios, todo mundo via o carnaval passar da janela. Lembro que a sensação que eu tinha era de que aquela casa na Rua São Bento abria uma janela para o mundo. Eu peguei os desfiles de blocos em carros alegóricos”, conta, saudoso.  

Na família de Alexandre também havia músicos, o que alimentou o seu amor pelo frevo e pelo que esse ritmo provocava nas pessoas. “Até hoje eu costumo seguir as troças que valorizam os frevos que normalmente não se ouve. Gosto de sair no Tá Maluco, no Elefante, Pitombeira e Eu Acho é Pouco, além de Olinda, e Amantes de Glória no Recife. São blocos com perfis diferentes mas que buscam manter a qualidade do frevo que tocam. O Tá Maluco, por exemplo, é uma troça mais recente mas que guarda o tipo de carnaval que tenho na minha memória, com saudação do estandarte ao fazer reverência quando passa na casa de donos de blocos”, defende Maia.

Mais do que uma festa, o carnaval era também um momento rico de união familiar na casa dele. “Os preparativos já começavam em dezembro. Todo mundo da família tinha um pé em Olinda e se envolvia na organização dos blocos. As tias começavam a trazer tecidos para as fantasia e começava o burburinho entre os parentes. Esses momentos de conversa e preparação para o carnaval eram tão ricos quanto a própria festa. E até hoje me vêm na memória o cheiro de bolo e café que se misturam aos vínculos familiares e a tudo aquilo que estava impregnado de eternidade”, afirma.

Quem ama o Galo acorda de madrugada

Quem ama o Galo da Madrugada de verdade sabe que a brincadeira tem que começar no chão. E, para brincar, é preciso estar nas ruas do Centro do Recife desde a madrugada, como o próprio nome indica. “Existe todo um ritual para ir ao Galo. Não brincamos carnaval na sexta-feira, acordamos muito cedo para estarmos lá no momento que os clarins começarem a tocar”, relata a jornalista Marcela Alves, 29 anos, que costuma frequentar o maior bloco de rua de Pernambuco desde antes dos 10 anos de idade.

“Depois dessa idade, eu comecei a ir todo carnaval brincar o Galo. Ficávamos sempre na Avenida Sul, até hoje, quase em frente à sede na rua mesmo. De uns três anos para cá, começamos a optar por um camarote por conta da violência. Mas existe todo um protocolo para a escolha do camarote. Não pode ter badalação, bandas, nem pode ser muito afastado. Continuamos a ficar na Avenida Sul e sempre de um local onde possamos ver os trios passando. Porque nós vamos para o Galo para ver o Galo”, brinca Marcela.

O amor da jornalista pelo bloco gigante também vem de família. “Meu pai é apaixonado por esse bloco. O carnaval do meu pai é o Galo. Hoje, vamos eu, ele e meu irmão”. A simbologia que a alegoria representa para a cultura do estado também tem um peso importante em seu sentimento pelo bloco carnavalesco. “Eu sempre gostei de fazer dessa massa, desse um milhão de pessoas que seguem o Galo. Ele é imponente, representativo, é o resumo da força do nosso carnaval”, diz Marcela, emocionada.

Apenas o primeiro de muitos carnavais


Se carnaval é tradição e história, ensinar os pequenos a sentir amor por Momo e pelo frevo é uma atitude quase inconsciente dos pais que se envolvem com a festa. É assim que a fisioterapeuta Marcela Regis, 32 anos, tem conduzido a criação do seu pequeno João Marcelo Regis, que completou o primeiro ano de vida no último dia 2 de fevereiro.

“Ano passado, ele nasceu dias antes do carnaval. Mas mesmo de resguardo e toda inchada, enfeitei a casa para que ele pudesse se familiarizar com as cores e as figuras do carnaval pernambucano. Quando ele completou um mês de vida, o fantasiei de minion para comemorar seu primeiro mês, porque o carnaval sempre esteve presente na minha vida”, descreve a fisioterapeuta. O espírito folião de Marcela vem também dos pais, que sempre a levaram para brincar nos blocos tradicionais de Olinda desde pequena. “Eu ia para o Eu Acho é Pouco, Homem da Meia-Noite, Pitombeira e Virgens de Olinda, as troças que meus pais acompanhavam”.

No primeiro aniversário de João Marcelo, o tema da festa não poderia ser diferente. “Meu filho nasceu no dia do Homem da Meia-Noite e acho interessante toda a história do calunga. Então falei com Luiz Adolpho (Botelho, presidente do bloco) para saber se o calunguinha poderia fazer parte do aniversário. Antes disso, quando meu filho completou sete meses de vida, teve a reabertura da sede do Homem e eu levei João Marcelo para participar da festa. Foi muito bom, porque ele não teve medo do calunga e curtiu. O carnaval está no sangue, é uma festa popular que encanta as pessoas e eu quero criar essa identificação entre ele e a cultura do lugar onde ele nasceu”, conta.