Pelo direito de dirigir a própria vida Em um reino ultraconservador governado por uma versão rigorosa do Islã, sauditas ganham mais liberdade aos poucos

Anuj CHOPRA
DA AGÊNCIA FRANCE-PRESSE

Publicação: 17/03/2018 03:00

Mervat Bukhari, uma batalhadora com niqab, teve que enfrentar zombarias e insultos para se tornar a primeira mulher saudita empregada em um posto de gasolina, algo inimaginável há pouco tempo. Ela simboliza a evolução do status das mulheres sauditas, que em poucos meses obtiveram mais direitos do que em várias décadas: o de dirigir a partir de junho, assistir a jogos de futebol e ser empregadas em serviços até agora reservados aos homens. Esses direitos são considerados básicos em outras partes do mundo, mas neste reino ultraconservador governado por uma versão rigorosa do Islã é algo significativo.

No entanto, ainda há muito a fazer para reformar o sistema de tutela que sujeita uma mulher à vontade de um homem para várias tarefas. Esta evolução é em grande parte o resultado da vontade do jovem príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman, que parece determinado a tirar a sociedade saudita do seu profundo conservadorismo.

Quando Mervat Bukhari, de 43 anos e mãe de quatro filhos, foi promovida a supervisora do posto de gasolina de Jobar (leste), os insultos proliferaram nas redes sociais. “As sauditas não trabalham em postos de gasolina”. Este rótulo revelou a resistência social à evolução do status das mulheres. “Eu supervisiono e não coloco gasolina”, defende-se Mervat Bukhari, antes de enfatizar que “as mulheres de hoje têm o direito de fazer qualquer trabalho”.

A mídia local, entretanto, não para de celebrar a abertura do mercado de trabalho às mulheres: a primeira chef saudita de um restaurante, a primeira veterinária ou a primeira guia turística. Mas esses avanços não revelam a floresta do milhão de mulheres que procuram emprego no reino, de acordo com dados oficiais. O objetivo da Visão 2030, o grande programa de reformas lançado em 2016 pelo príncipe Mohamed, é elevar a cerca de um terço (em comparação com 22% atualmente) a porcentagem de mulheres na força de trabalho.

“As sauditas estão mais instruídas, mas têm menos mobilidade, estão subempregadas e são amplamente mal pagas”, indicou Karen Young, pesquisadora do Instituto dos Estados do Golfo em Washington, explicando a situação das mulheres no mercado de trabalho saudita.

O salário mensal médio dos homens no setor privado é de cerca de 8.000 riyals (US$ 2.130), contra 5.000 riyals para as mulheres, de acordo com o centro de estudo Jadwa. E a Arábia Saudita ocupa a 138ª posição de um total de 144 no relatório 2017 do Fórum Econômico Mundial sobre a paridade de gênero.

Mas o reino procura mudar o rumo e a carteira de motorista pode adicionar milhões de mulheres ao mercado de trabalho. Nos últimos meses, mulheres foram vistas pela primeira vez em shows e restaurantes mistos. A polícia religiosa, responsável por garantir a segregação entre sexos, tem desaparecido progressivamente do espaço público.

A expressão bem conhecida “Você é uma mulher, cubra o seu rosto”, parece ter desaparecido das conversas, escreve Abdel Rahman al-Lahim, advogado especializado em direitos humanos, no jornal pró-governo Okaz. A nível regional, a Arábia Saudita - talvez sob a influência de seu aliado norte-americano - parece imersa em uma competição com o Irã, seu grande rival no Oriente Médio, para trabalhar melhor em termos de direitos das mulheres.

Mas os militantes locais acreditam que o rígido sistema de tutela deixa muitas sauditas vulneráveis aos caprichos de um pai conservador, um marido autoritário ou um filho irritado. Os abusos são numerosos: presas bloqueadas nas cadeias depois de cumprir suas sentenças porque seus guardiões não as reivindicam, uma saudita que não pode renovar seu passaporte porque o pai está em coma etc.

“Se eu pudesse escolher entre o direito de dirigir e o direito de acabar com a tutela, eu escolheria a última opção”, disse um militante que pediu anonimato. “Não quero ficar atrás do volante e ser considerada uma pessoa inferior”.

Em marcha para a liberdade
Aulas de direção em Jeddah são dadas por um instrutor italiano. Antes era preciso a autorização e companhia de adulto da família