Machismo acadêmico torna pesquisadoras mais vulneráveis

Publicação: 17/02/2018 03:00

Em agosto de 2017, durante reunião com estudiosos de várias partes do mundo, a vice-diretora de um dos maiores centros de pesquisa de Pernambuco, que prefere não se identificar, explicava um estudo que queria desenvolver sobre a transmissão de determinada doença. Diante de sua explanação, a plateia riu. Foi necessário que um cientista homem, mais velho, interviesse. Ele defendeu a proposta e pediu que ela fosse ouvida. Quem havia menosprezado a fala passou a apoiar.

Levantamento feito em novembro de 2015 pelo Instituto Avon e Data Popular mostrou que 67% das mulheres já relataram que assédio no ambiente acadêmico. Além disso, 28% disseram acreditar que foram desqualificadas por serem mulheres. “Estudo muito desde cedo. Entrei na graduação aos 16 anos e concluí o doutorado aos 27. Com o tempo, percebi que os homens chegavam aos postos de liderança mais rapidamente”, disse a cientista.

Apesar de representarem 50% da produção científica brasileira, as mulheres têm dificuldades para alcançar postos mais avançados. “Estou em um cargo de direção e tenho 43 anos, mas sou uma exceção. Os demais diretores são homens ou mulheres mais velhas, todas com idade na casa dos 50 anos”, pontua.

Concilar vida acadêmica e maternidade é o principal desafio das cientistas, dizem as pesquisadoras ouvidas pelo Diario. “Cheguei a pesar 43 kg durante o doutorado porque estava amamentando e não me alimentava direito. Dar conta de casa, bebê e pesquisa é um desafio.”

A pesquisadora observa hoje que, entre os estudantes de mestrado e doutorado orientados por ela, as alunas desistem mais facilmente da carreira. “Já cheguei com uma pesquisadora na Inglaterra e ela recebeu uma bolsa de doutorado sem precisar de seleção. Ela deixou de ir porque ia se casar”, conta. “Percebo que as mulheres ainda precisam fazer essas escolhas. Além disso, noto que quando alunas faltam porque o filho está doente, e não os homens.”

A presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Tamara Maiz, enfatiza que, no Brasil, as mulheres realizam metade das pesquisas - um dos maiores índices do mundo. No entanto, o ambiente acadêmico é mais hostil para as pesquisadoras do que para os pesquisadores.

“Uma questão fundamental nesse sentido é pensar como esse cenário adverso pode atrapalhar o rendimento acadêmico delas a ponto de desencadear transtornos psicológicos e comprometer suas carreiras”, pontua. Em dezembro de 2017, foi sancionada a Lei Federal 13.536/2017, que dá direito a afastamento por maternidade a bolsistas de pesquisa. Agora, é possível solicitar suspensão das atividades acadêmicas por até 120 dias recebendo bolsa.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apesar de as bolsas serem concedidas equitativamente entre homens e mulheres, elas são minoria nos mais altos níveis da hierarquia científica. De um total de 112 cientistas, apenas 27 mulheres chegaram à categoria de Pesquisador Sênior, isto é, a modalidade de pesquisadores que “se destacam entre seus pares como líder e paradigma na sua área de atuação”.