Um pesadelo acadêmico Pressionados por prazos e resultados, alunos de pós-graduação sofrem de ansiedade, depressão, distúrbios alimentares, irritabilidade e isolamento

ALICE DE SOUZA E ANAMARIA NASCIMENTO
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Publicação: 17/02/2018 03:00

O suicídio de um doutorando nos laboratórios da Universidade de São Paulo (USP), em agosto de 2017, descortinou um tema que costuma ser jogado para debaixo do tapete na academia: a saúde mental na pós-graduação. Ser cientista é, desde a faculdade, o sonho de muitos estudantes que veem a carreira como sinônimo de realização. Mas uma outra face desta vida é ocultada por trás de artigos, congressos, dissertações e teses. Noites mal dormidas, distúrbios alimentares, irritabilidade e isolamento social. O acúmulo de pressões leva a um adoecimento.

Dentre os poucos estudos realizados no Brasil, um levantamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que 58,6% dos alunos de pós-graduação stricto sensu (programas abertos mediante edital) sofriam de estresse. Os índices mais elevados foram registrados nos centros de Ciências da Matemática e da Natureza (82%) e tecnológico (61%) e no Fórum de Ciência e Cultura (60%) da instituição onde o aluno se matou. A presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Tamara Maiz, vê no problema o reflexo de uma cultura acadêmica burocrática, competitiva e de poucas oportunidades.

O problema, de proporção mundial, está presente em Pernambuco. A doutoranda Débora (nome fictício), 44 anos, aluna de uma instituição federal que ela pediu para não ser especificada, enfrentou pressão antes mesmo de ingressar no mestrado. “Muitos colocam como algo fora do alcance, então eu pensava sobre as minhas capacidades de passar na seleção”, conta. Ao entrar, começou a acumular tensão e, próximo à defesa, isso repercutiu na saúde. “Valeu a pena porque fiz o que gostava, mas a um preço alto. Não tinha lazer, vida pessoal. Meus cabelos caíam muito, meu rosto estourou todo”, comenta ela, que chegou a ouvir de professores que o mundo da pesquisa é solitário e, caso a pessoa não aceite essa solidão, não deve estar ali.

“O pós-graduando recebe uma série de pressões, como prazos curtos para qualificação e defesa, dificuldade de relacionamento com orientador, pressão por publicar em revistas de alta relevância científica. Além disso, há assédio e discriminação. É preciso combater, romper o silêncio, mudar essa realidade”, afirma Tamara Maiz. Um dos casos que chegou à associação foi o de uma estudante de mestrado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), de 27 anos, que teve um surto psicótico e foi encontrada caminhando nua na rua. “O processo de conhecimento não precisa ser dolorido, como muitas vezes é”, opina Marta (nome fictício) aluna de um programa de pós-graduação da UFPE. Ansiosa, ela engordou 14 quilos durante o mestrado.