Tristeza intensa e incapacidade Com episódios de taquicardia e mãos trêmulas, engenheiro eletricista encontrou na academia dificuldades que nem o mercado lhe trouxe

Publicação: 17/02/2018 03:00

As noites de Euller Gonçalves eram um ciclo sem fim. Deitado no travesseiro, ele sempre voltava, em seus sonhos, para a graduação. Tentava avançar as etapas do curso, mas de lá só conseguia sair ao despertar, no meio da madrugada, com taquicardia e as mãos trêmulas. Perto de terminar o mestrado, o engenheiro de 31 anos passou a viver um eterno pesadelo. Ao longo dos anos da pós-graduação, os estudantes enfrentam fatores adversos que culminam no adoecimento mental.

O estresse elevado dos mestrandos e doutorandos é considerado a ponta de um iceberg formado por patologias como a depressão e que pode chegar ao suicídio.

A dinâmica da pós-graduação impõe uma rotina de restrições. Metade dos estudantes passa a ter alterações no sono, 37% aumentam sua irritabilidade e 23% sentem mudanças no apetite, evidenciou um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de 2013. A psiquiatra associada da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e docente da Universidade do Oeste Paulista Gilmara Rister alerta que podem ser indícios de ansiedade patológica. “Existe uma situação de enfrentamento normal, uma ansiedade produtiva. Porém, se há repercussões físicas e psíquicas, é uma doença. Por repercussão física entendemos mudanças no sono, apetite, taquicardia, sudorese, tremor. Já por sintomas psíquicos, angústia, inconformismo, insegurança, medo e frustração”, alerta.

Engenheiro eletricista, com experiência de trabalho no exterior, Euller decidiu ingressar na pós-graduação para se qualificar. Encontrou uma angústia que nem mesmo viveu no mercado formal. “Passei a ter aversão ao celular, pois pensava já nas cobranças. A pós deveria ser libertadora, mas não me senti assim”, descreve. Ele chegou ao ponto de não querer sair de casa. Sentia o mesmo que 41% dos estudantes dos programas stricto sensu: diminuição da motivação. Há quatro meses, procurou um psiquiatra, um psicólogo e começou a tomar remédios para controle de ansiedade. Foi diagnosticado com início de depressão. “Só depois de três meses de medicação e ajuda profissional consegui voltar ao ritmo de trabalho”, lembra o profissional.

Mais de 15 dias de tristeza intensa, sensação de incapacidade e humor deprimido já são motivos para buscar ajuda, explica Gilmara Rister. Caso contrário, são amplas as chances de desenvolver quadros depressivos graves. Pelo menos um em cada três doutorandos corre esse risco ou já apresenta sinais da doença, de acordo com dois estudos. Um realizado na Bélgica e publicado em 2017 na revista Research Policy. E outro produzido na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

Impostor
A presidente da Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG), Tamara Naiz, relata também ser comum o desenvolvimento de síndrome do impostor, quando o acadêmico não se considera digno dos méritos, e também síndrome de burnout, caracterizada pelo esgotamento mental. Tanto ela como Gilmara defendem que a solução, além de falar abertamente na academia sobre o assunto, é criar núcleos de de prevenção e atendimento psicológico para os alunos. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) não possui uma iniciativa específica ligada à saúde mental de pesquisadores. Nem a Universidade Federal de Pernambuco nem a Universidade de Pernambuco, hoje, têm esse serviço de apoio. A Unicap e a UFRPE não responderam.

Vontade de crescer esbarrou em ambiente hostil
Há quatro meses, profissional procurou um psiquiatra e um psicólogo, e começou a tomar remédios: 
“Só depois de três meses de medicação e ajuda profissional consegui voltar ao ritmo de trabalho”

Raio X da ciência no Brasil
  • 531 instituições
  • 199,5 mil pesquisadores
  • 130,1 mil pesquisadores doutores
Distribuição dos grupos de pesquisa segundo a região geográfica
  • 42,5% no Sudeste
  • 22,9% no Sul
  • 20,5% no Nordeste
  • 7,7% no Centro-Oeste
  • 6,3% no Norte
Dados Capes

347 mil estudantes de pós-graduação stricto sensu no país em 2016*
Sendo:
  • 36% matriculados em um mestrado
  • 14% titulados em um mestrado
  • 31% matriculados em um doutorado
  • 5% titulados em um doutorado
  • 9% matriculados em um mestrado profissional
  • 5% titulados em um mestrado profissional
Pesquisadores por gênero ao longo dos anos

1995
61% homens
39% mulheres

2000
56% homens
44% mulheres

2010
50% homens
50% mulheres

2014
50% mulheres
50% homens

Unidades federativas com mais estudantes de pós-graduação stricto sensu:
  • 1º São Paulo - 89 mil
  • 2º Rio de Janeiro - 44 mil
  • 3º Minas Gerais - 35 mil
  • 8º Pernambuco - 13,5 mil
Unidades federativas com mais docentes de pós-graduação stricto sensu:
  • 1º São Paulo - 23 mil
  • 2º Rio de Janeiro - 12 mil
  • 3º Minas Gerais - 9 mil
  • 7º Pernambuco - 3,5 mil
Em Pernambuco

13,5 mil estudantes de pós-graduação no país em 2016
Sendo:
  • 36% matriculados em um mestrado
  • 13% titulados em um mestrado
  • 33% matriculados em um doutorado
  • 6% titulados em um doutorado
  • 9% matriculados em um mestrado
Investimentos da Capes recebidos por Pernambuco para programas de pós-graduação stricto sensu:

2006 - R$ 21.986,46
2007 - R$ 24.899,10
Aumento de 13% entre os anos

2009 - R$ 43.480,26
2010 - R$ 53.536,84
Aumento de 23% entre os anos

2015 - R$ 103.608,07
2016 - R$ 106.215,52
Aumento de 2,5% entre os anos

A saúde dos estudantes de pós-graduação
  • 1 em cada 2 tem problemas de sono
  • 6 em cada 10 têm algum nível de estresse
Em relação aos alunos de pós-graduação lato sensu (cursos de especialização), eles são…
  • 3 vezes menos sociáveis
  • 2 vezes mais irritados
  • 1 vezes e meia com mais problemas de apetite e menos motivados
Fontes: Pesquisa UFRGS- Gabriela Blanco, Cristiano Junta e Glauco Araújo, ANPG, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)