Fellipe Torres
fellipetorres.pe@dabr.com.br
Publicação: 25/08/2014 03:00
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Jornalista e escritora carioca, Ana Maria Pereira Bahiana trabalhou em jornais, revistas, TVs, rádios e Internet, escrevendo principalmente sobre
cinema e música.
Atuou como crítica musical da primeira edição brasileira da revista Rolling Stone, em 1972. Passou por redações dos principais jornais brasileiros e em veículos da França, EUA e Austrália.
Entre os livros publicados, Almanaque anos 70 (2006), Nada será como antes -
MPB nos anos 70, 30 anos depois (2006), Caixa de memórias (2010), Como ver um filme (2012), Almanaque 1964 (2014).
É membro da Associação
de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, responsável pela premiação anual dos Globos de Ouro.
É autora do argumento, roteirista e coprodutora do filme 1972. Mantém no UOL o blog Hollywoodianas (anamariabahiana.blogosfera.uol.com.br)
“Existe a ideia equivocada que filmes são resultados do acaso”
Você afirma que espectadores têm uma carga de ideias pré-concebidas sobre os filmes, e precisam ter consciência do processo de criação. Quais são essas ideias? Como o conhecimento muda a compreensão do cinema?
As ideias pré-concebidas são uma espécie de vergonha. A pessoa não tem coragem de dizer que não gostou de um filme que a crítica gostou. Por outro lado, morre de vergonha de afirmar que gostou de um filme muito popular. É uma baixa autoestima. Costumo dar instrumentos para cada pessoa desenvolver o próprio gosto e ficar feliz com isso. Um determinado filme pode dialogar com você de um jeito e dialogar com seu vizinho de outro. Também existe a ideia equivocada de que filmes são resultados do acaso. Por mais que haja um espaço para o acaso, a trajetória é a mais controlada possível, diante da envergadura do projeto.
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Robin Williams era mais feliz quando era outro alguém |
Séries se tornaram o que o cinema independente já foi. Roteiristas, produtores e diretores talentosos não encontram espaço no cinema e migram para a televisão, que se tornou mais competitiva, com mais canais. É o caso de David Fincher, Steven Soderbergh, Guillermo del Toro, autores que vêm do cinema e estão inteiramente à vontade na TV. Eles podem realizar o trabalho com liberdade e ter certeza de que o material será visto pelo público. Do outro lado, a televisão precisa de conteúdo de qualidade e diferenciado. Em entrevista, Guillermo del Toro me falou: “Quando penso uma série, é como um filme de 12 horas, com interrupção a cada hora. Tenho também as ideias de duas horas, que batalho para fazer filmes”. Por trás das séries mais experimentais e de sucesso, estão pessoas que cresceram dentro da TV e deixaram de lado os formatos fracassados, e pessoas que migraram do cinema, como Soderbergh (quando ele se afastou do cinema, achavam que ele ia criar galinhas ou dar a volta ao mundo de barco). A série mais recente dele, The Knicks, é, para mim, o melhor filme de Soderbergh (risos).
A recente morte de Robin Williams, que você entrevistou várias vezes, ocorreu seis meses após a de Philip Seymour Hoffman, outro ator envolvido com drogas. Há receio de que casos de depressão, abuso de entorpecentes e suicídio se tornem uma constante?
O problema principal não são as drogas. A droga é um instrumento, é “automedicação”. Sim, vão acontecer outras mortes, isso é inevitável. Mas tem a ver com a personalidade do ator, que é muito complicada. Aliás, se não fosse assim, ele não seria bom ator. Não precisa ser neurótico, claro, mas o ofício de ator atrai especialmente pessoas complicadas, que preferem “ser outras pessoas”. No Robin Williams você via isso claramente. Ele era mais feliz quando era outro alguém. A única coisa em comum com o Philip Seymour Hoffman é que ambos tinham essa personalidade, que se “medica” com bebidas e drogas. Esse perfil do depressivo que recusa terapia é comum entre várias pessoas, não só atores. Outro fator no caso do Robin eram as fraquezas emocionais. Isso se agravou com o fato de não achar bons papéis, porque tinha mais de 60 anos. Ele vivia fazendo piada sobre os filmes de má qualidade que vinha fazendo (e quando alguém faz muita piada sobre algo, é porque está incomodado). O estopim foi o cancelamento de sua série (The crazy ones), na qual ele botava muita fé, pois via na televisão uma saída. Aquilo foi um baque tremendo.
O cinema brasileiro atual tem fôlego para repercutir nos EUA? Produções pernambucanas têm se destacado em vários festivais do mundo, a exemplo de O som ao redor. Você tem acompanhado isso?
Não chega nada lá (nos EUA). Seria até importante para mim que houvesse presença brasileira, pois o mundo inteiro está lá. É necessário estar presente de alguma maneira, o tempo todo exibindo filmes, participando de eventos, de mostras. É uma fórmula seguida pela Argentina, Espanha, México. Aquilo (Hollywood) é um organismo vivo, imenso, em que há lugar para tudo, mas é preciso ir lá. Não se pode esperar que descubram você, porque há muita oferta, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo no mundo. Não dá para esperar que, uma vez por ano, no Oscar, haja um despertar coletivo para saber quais filmes serão indicados. O Oscar é apenas uma parte da história, e não é necessariamente a chave. Existem outras maneiras de fazer o filme circular.
Cada vez mais brasileiros estrelam filmes internacionais, como Rodrigo Santoro e Wagner Moura. O que é preciso para trilhar esse caminho?
Para fazer carreira internacional, primeiro é preciso falar inglês, a língua franca de qualquer produção internacional. Não importa que tenha sotaque (estão aí o Javier Bardem e a Penélope Cruz, cujos sotaques são incorporados perfeitamente aos personagens). O segundo requisito é estar preparado para investir tempo e trabalho a longo prazo. Todo mundo é rejeitado mais de uma vez na vida. Nessas ocasiões, não se pode arrumar a mala e dizer: “Não quero mais, vou embora”. Você está sempre competindo com um batalhão de pessoas extremamente talentosas, do mundo todo. É uma maratona, e não uma corrida de velocidade. É preciso preparo para papéis pequenos. Juntar pedacinho por pedacinho. Um trabalho de formiguinha. Essa é a regra. A exceção é o estrelato da noite para o dia.