ENTREVISTA // PEDRO PARENTE » 'Acabou a bandalheira' Presidente da Petrobras assevera que não há mais risco de a rentabilidade da estatal ser desviada para o bolso de criminosos

Ana Dubeux, Paulo Silva Pinto, Simone Kafruni e Vicente Nunes | email.economia.df@dabr.com.br

Publicação: 14/01/2017 03:00

A Petrobras resume  as  apostas e o naufrágio dos 13 anos de governos petistas: descoberta de reservas gigantes no pré-sal, desenvolvimento da produção nacional de equipamentos, projetos  mirabolantes  e  inúteis, o maior escândalo de corrupção do mundo e manipulação de preços para conter a inflação.

Separar a parte boa da ruim na maior estatal do país é uma das tarefas mais sensíveis do atual governo. E está nas mãos de Pedro Parente, engenheiro eletricista formado pela Universidade de Brasília (UnB), com  ampla experiência na administração pública. Ele foi responsável por equacionar, no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, a crise do apagão. Depois disso, construiu uma trajetória de sucesso no setor privado.

Parente espera que, dentro de quatro anos, a estatal esteja com uma dívida tão leve quanto a que existia em 2009, equivalente a uma vez a sua geração de caixa. Em 2014, essa relação chegou a 5,3 vezes, ou seja, um salto de US$ 100 bilhões em apenas cinco anos. Para isso, diz, precisa ter liberdade de fixar o preço dos combustíveis de acordo com parâmetros econômicos. Não há chance, afirma, de uma ordem contrária do presidente Michel Temer

Parente tem segurança de que a abertura do pré-sal à operação autônoma de outras empresas ajudará o país, sem provocar qualquer prejuízo à estatal. Assevera, ainda, que não há mais risco de a rentabilidade ser desviada para o bolso de criminosos. “Acabou a bandalheira.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Acabou a corrupção na Petrobras?
Implantamos, desde que assumi, uma série de procedimentos e rotinas, por exemplo, só para dar uma ideia: todos os fornecedores passam por uma avaliação de integridade. Se eles não têm uma avaliação positiva, nem entram no processo de compras. Outro exemplo: você não tem mais nenhuma decisão individual na empresa. O que podia acontecer antes, que eram contratos de valores muito expressivos serem decididos por uma única assinatura, de um único diretor, não tem hipótese de acontecer na empresa hoje. Não vai nem sair do lugar. Várias questões foram mudadas. Aspectos que estão no estatuto da empresa seguem a nova lei de governança das estatais. Isso realmente cria um sistema de controle interno e tem vários mecanismos de prevenção.

Isso vale para os contratos antigos, que já estavam em andamento?
Qualquer mudança nesses contratos passa pelos mesmos processos. Não é o fato de ser um contrato antigo que permite ou determina que siga a regra de antigamente. Negativo. Se tiver um aditivo, tem que explicar muito bem explicadinho por que precisa do aditivo. Calcula-se o valor presente daquele aditivo, e isso passa por, no mínimo, cinco comitês. Uma vez eu estava em um evento com o presidente da Eletrobras e achei muita graça, porque ele disse que, em qualquer decisão que seja tomada, o jurídico tem que dar o parecer. Eu falei: “Pô, mas só o jurídico?”. Aqui são, no mínimo, cinco. Isso não é reclamação, não. É exatamente para que a gente possa ter segurança de que criou as barreiras que tornam realmente muito difícil acontecer o que aconteceu no passado.

Esse processo de recuperação e reorganização da empresa vai demorar quanto tempo?
No processo de reorganização, fizemos mudanças no que nós chamamos de três ondas. E a terceira onda já foi implantada. A gente está com a nova estrutura da empresa completamente em funcionamento. Sob o ponto de vista de metodologia de processos de gestão, tudo terá início a partir de 1º de janeiro de 2017, exatamente para ajudar a cumprir as metas dos nossos planos.

A Odebrecht publicou anúncio com um pedido público de desculpas. O que eles fizeram é perdoável?
Em relação à maneira como as coisas aconteciam em termos de obras públicas, estamos tendo uma revolução. O que está acontecendo com a Odebrecht e outras empresas que assinaram acordos de leniência e apresentaram pedido de desculpas público, sem dúvida nenhuma, é uma revolução. Temos que ver dessa forma a partir do momento em que essas empresas se tornem resistentes a determinados tipos de abordagem. Então, é isso mesmo: se a empresa é ética, se para fazer tem que pagar, não faz. Isso vai ajudar a criar uma situação em que tais questões, se ocorrerem, serão muito mais limitadas. Se é perdoável ou não, quem sou eu para avaliar? As autoridades, procuradores da República e o ministro Teori Zavascki vão dizer se isso é válido ou não. Eles, melhor do que ninguém, podem avaliar. Pode ser uma mudança muito importante no quadro das práticas negociais brasileiras, especialmente no campo das obras públicas.

Há riscos de se repetir a corrupção na Petrobras?
Nenhum. Posso dizer, sem dúvida nenhuma, que há mecanismos estabelecidos que deixam a Petrobras como uma companhia benchmarking em sistema de controle interno. Responsavelmente, nenhum dirigente pode ir além de dizer que está realmente organizando a sua empresa para ter os melhores sistemas de controle interno, de conformidade e de compliance, de tal forma a tornar extremamente difícil qualquer possibilidade dessa natureza. Vamos lembrar que, nas coisas que aconteceram, acima de tudo, a Petrobras foi vítima. Não foi um agente que se beneficiou do que aconteceu. Esse é um ponto importantíssimo para se levar em consideração nesta discussão.

Dirigentes da gestão petista disseram que a corrupção só poderia ter sido descoberta em uma investigação policial, não por dentro da empresa. É isso mesmo?
Bom, existem determinadas situações que, de fato, só poderiam ser detectadas por mecanismos que não estão ao alcance da empresa, por exemplo, investigações policiais, quebra de sigilo e tudo mais. Agora, havia indícios que poderiam levar a indicações de que estaria acontecendo algum tipo de problema. É muito difícil, não estando na companhia naquele momento, saber se isso existiu ou não. Mas, de fato, os próprios delatores dizem que, o que eles fizeram foi fora da empresa, sem usar o telefone da empresa, por meio de e-mails e contatos de fora. As coisas aconteciam após os contratos assinados na relação direta entre contratados e executivos, e entre contratados e  maus políticos.

Há quem diga que a roubalheira é antiga e que já acontecia muito antes dos governos petistas, não é?
Na delação do Nestor Cerveró, ele fala que, na transação na Argentina, na compra da Perez Companc, teria havido a destinação de US$ 100 milhões para o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quando eu li isso, eu mesmo solicitei, formalmente, à comissão especial de investigação, que inclui a ministra Ellen Gracie, que fizesse um levantamento, porque, se houve a alegação, a investigação precisa ser feita. Acho que não pode deixar nada sem resposta. Portanto, se existiu no passado, precisa trazer a evidência. Não pode deixar nada sem investigar.

A Petrobras tem condições de voltar a operar com todas as construtoras envolvidas com a Lava-Jato?
Não existe a possibilidade de uma penalidade eterna. O que nós demandamos das empresas é que tenham algum sistema de compliance, de conformidade, e que implementem as práticas necessárias, que também possam garantir que, do seu lado, não vão ter os procedimentos do passado. Portanto, a existência de um acordo de compliance, mais a constatação de que a Petrobras tem que ter mecanismos adequados de controle interno, são indispensáveis.

Qual é hoje o maior desafio da Petrobras? É combater a corrupção?
Sem deixar, em absoluto, em primeiro lugar, nosso repúdio total à corrupção, à bandalheira, o principal desafio é realmente cumprir nosso plano estratégico e reduzir o endividamento, que é a síntese dos problemas que aconteceram no passado. Em 2009, as dívidas correspondiam a uma vez a  geração de caixa da empresa, chamada de Ebitda (ganhos antes de impostos, juros e amortização, na sigla em inglês). Era um número supersaudável. No fim de 2014, essa relação havia subido para 5,3 vezes. Houve um crescimento exponencial. Quando olhamos em termos absolutos, isso assusta mais, pois representou crescimento no valor da dívida líquida da empresa de US$ 100 bilhões. Esse aumento acabou construindo a maior dívida em termos absolutos e relativos de todas as empresas de óleo e gás do mundo.

O que deu mais problema: a corrupção ou erros técnicos?
É difícil precisar isso. Mas o que é relevante é que grande parte do que foi feito não traz resultado para a empresa. Com a dívida crescendo cinco vezes, as taxas de juros que, obviamente, a companhia paga, também aumentaram, por causa do risco maior. A empresa perdeu o grau de investimento e as taxas de juros dobraram. Então, se a gente não trabalhar como nós estamos trabalhando, o custo financeiro pode ser multiplicado por 10. A conta de juros em 2009, se não me engano, foi de US$ 1,7 bilhão, e poderia ir a US$ 17 bilhões, porque, no vencimento, as dívidas que foram contratadas a taxas mais baixas seriam substituídas por débitos contraídos a juros mais altos. Por isso, é fundamental reduzir o endividamento. Então, realmente, o nosso principal desafio hoje é o cumprimento desse plano dos cinco anos. Ele tem duas metas. Uma delas é a redução das dívidas. A outra, que tem o mesmo nível na hierarquia, é nossa meta de segurança. A Petrobras tem que deixar claro que não perseguirá a meta financeira prejudicando a segurança das pessoas, do meio ambiente e do patrimônio. Isso é sagrado para nós. Na verdade, queremos melhorar nossos indicadores relacionados à segurança.
                                   
Nos dois últimos ajustes que a Petrobras fez, de redução de preços, o que se viu nos postos foi aumento. Há até quem diga, de brincadeira, que, quando a Petrobras subir os preços, os postos finalmente vão baixá-los. O que o senhor pode comentar sobre isso?

Em primeiro lugar, a Lei do Petróleo estabelece total liberdade de preço. O que a gente consegue definir é o preço na refinaria. Depois disso, têm as distribuidoras e os milhares de postos de gasolina. A variação de preço médio seria esperada nas bombas se todas as demais variáveis que impactam o negócio permanecessem constantes. As alegações são de que o etanol subiu. Mas eu não mexo com etanol, então, não posso fazer um juizo de valor.

Há possibilidade de o presidente da República ligar e dizer “não aumentem o preço da gasolina agora”?
Não há essa possibilidade. Não vai acontecer. Quando o presidente Temer me convidou, nós conversamos longamente sobre como eu penso que deveria ser gerida a Petrobras e como ele pensa. Houve uma convergência muito grande sobre a necessidade de a empresa ter liberdade de lidar com uma variável que é fundamental para reduzir a dívida e fazer a virada. E, além disso, em condições normais, operar como qualquer empresa. Como houve essa coincidência de pontos de vista, estou muito tranquilo de que não haverá uma ligação como essa vinda do presidente Michel Temer. No contexto dessa conversa, ele assegurou algumas condições para a gestão da Petrobras: a composição da direção e do conselho só com pessoas com perfil correto, com experiência e integridade; e a outra, de que ele não vai tomar qualquer decisão que não seja baseada na racionalidade econômica. Essas condições que o presidente Temer assegurou nenhum outro presidente da Petrobras, em um passado recente, teve. E elas permitem que a gente faça o que precisa ser feito. E nós vamos fazer.