ENTREVISTA // FERNANDO FILHO » Na rota do empresariado Ministro detalha os aportes para a Chesf e, entre outros pontos, os cronogramas de leilões aguardados pela iniciativa privada

Bruna Siqueira Campos
bruna.siqueira@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 18/02/2017 03:00

O perfil da pasta é de mercado. O orçamento, vertiginoso: contando com duas das principais estatais brasileiras, caso da Petrobras e da Eletrobras, são mais de R$ 100 bilhões por ano. A missão não é fácil: em meio a um turbulento cenário político e uma crise que já dura mais de dois anos, corre contra o tempo para atrair investidores privados e minimizar danos à economia. Sob o guarda-chuva hoje de responsabilidade do ministro pernambucano Fernando Filho, 32, titular de Minas e Energia do governo Temer, estão áreas cruciais para avalancar o PIB novamente. Da mesma forma, temas tão polêmicos quanto a Lei do Pré-Sal, que mudará a dinâmica de exploração e produção de petróleo no Brasil. O ministério, que no passado foi conduzido pela ex-presidente Dilma Rousseff, é a “superpasta” do governo federal porque concentra setores estratégicos como o energético, a indústria naval, a de petróleo e gás, além de mineração. Não por menos, o deputado federal licenciado do PSB compõe hoje a linha de frente do governo no programa das concessões, uma reedição das privatizações já vivenciadas anteriormente e uma das bandeiras do presidente Michel Temer.

À frente das Minas e Energia, estão duas das maiores estatais do país - Petrobras e Eletrobras -, além de indústrias estratégicas, como a naval. O que esperar de 2017?
Dois mil e dezesseis foi um ano difícil. Primeiro pela chegada, pela forma como o ambiente se instalou, pela instabilidade que o processo de interinidade gera. Se coloque no lugar do empresário, que tem que fazer investimentos de milhões de reais ou de dólares. Por mais que soubéssemos que o processo de impeachment era algo que já estava consolidado, tem o processo de interinidade. Mas conseguimos montar uma boa equipe de profissionais para poder nos auxiliar nessa missão e isso foi reconhecido pelo mercado. Começamos também dois movimentos: o primeiro, que o presidente fala muito e é a marca do governo dele, é o diálogo. A gente abriu, de fato, esse espaço com todo mundo do setor. Encontrávamos representantes de empresas que falavam que tinha cinco anos, seis anos, oito anos que não entravam no ministério. Isso acabou. O Ministério de Minas e Energia voltou a ser o ponto de confluência das empresas do setor. Isso é saudável do ponto de vista de retomada do protagonismo do MME.

Além do plano de desinvestimentos da Petrobras, há um esforço para a venda de distribuidoras do sistema Eletrobras que não dão lucro. Eram seis, inicialmente. A quantas anda este processo?
O BNDES já contratou uma consultoria que está fazendo a avaliação das empresas, e a nossa expectativa é que, no 2º semestre, a gente possa ter vencido essa etapa. É só o que tem, na verdade. São seis (distribuidoras) nossas mais a CEA (Companhia de Eletricidade do Amapá). Ela não é federalizada, é estadual. Mas o governador já demonstrou interesse que a gente também conduza esse processo.

Você tem integrado a linha de frente do Programa de Parceria de Investimentos, nas missões para captar investidores estrangeiros. O que falta para o PPI decolar?
Vou falar de minha parte. No PPI temos a área de transportes, a de Minas e Energia e também a da Caixa, que é a Lotex, uma loteria da Caixa, que deverá entrar. O que temos do MME são as distribuidoras, que já estavam previstas para o segundo semestre, não tem como correr disso; e os leilões de óleo e gás, que estão todos dentro do cronograma. Serão em maio, junho, setembro e novembro. Temos alguns leilões de linhas de transmissão, que não estavam no PPI mas vamos incluir, que são leilões periódicos, que o ministério faz. Tem um previsto para abril. Tem muita coisa no Nordeste, são 34 lotes. Deve dar R$ 12,5 bilhões em investimentos se todos os lotes forem arrematados.

A Chesf perdeu muito de sua autonomia e também bilhões de reais em ativos, nos últimos anos, por conta de mudança nas regras de concessão para empresas de energia. O que há previsto em investimentos para a companhia?
A Chesf, você sabe, tem uma situação de muita dificuldade financeira. Desde a 579 (medida provisória que alterou o modelo do setor elétrico), a empresa perdeu muito da receita. Para se ter uma ideia, hoje, a Chesf está 91% em cotas. E nestes 91% ela recebe, por megawatt, R$ 35, R$ 38, alguma coisa assim. Enquanto isso, o preço do megawatt no PLD (instrumento que baliza as operações no mercado livre de energia) é R$ 160. Enfim, se a empresa estivesse recebendo essa diferença, estaria em outra realidade. Mas desde que chegamos, em maio, a Chesf conseguiu terminar 30 obras. A companhia tinha 111 paralisadas. Terminamos essas 30 e tem 81 ainda, metade deve ficar pronta ainda em 2017. Estamos remobilizando todas elas. São R$ 2 bilhões em investimento, mas para o Brasil inteiro. Tem parte daí que é investimento da Chesf em Belo Monte, parte em outras SPEs (Sociedades de Propósito Específico). Mas o grosso disso é no Nordeste. Tem obras que não vão ser concluídas este ano, mas foram retomadas e têm capacidade de gerar empregos e renda.

Esses investimentos serão capazes de diminuir a insegurança do sistema elétrico? Tivemos muitos apagões, vários especialistas condenando a falta de investimentos.
A gente está fazendo um levantamento. Se não fosse para fazer nada novo, só na Chesf, se fosse só para substituir equipamentos antigos, ou que já estão com a vida útil perto do fim, a gente precisaria de R$ 5 bilhões. Isso é coisa nova, que vamos fazer e entregar porque a Chesf precisa, seja para se livrar das multas, seja porque, quanto antes ela faz, antes começa a receber. As obras paralisadas geram duas perdas para a Chesf: primeiro, a possibilidade de penalidade. Depois, a cessão das receitas, que ela está deixando de ter.

O controle da Usina de Belo Monte foi colocado à venda por R$ 10 bilhões. A Eletrobras pensa em se desfazer de sua parte também?
Na verdade, o controle não é nosso, é de empresas privadas. Por contrato, nós temos o direito de querer exercer ou não o “tag along” (opção legal dada a acionistas minoritários para se deixar uma sociedade). Deixa ver se vamos ter uma proposta boa ou não…

A Lei do Pré-Sal aguçou o apetite das gigantes estrangeiras. De que forma esse interesse na exploração do petróleo brasileiro pode ser positivo para o país?
Existe o interesse, e eu diria que é muito grande. E é positivo por quê? No pré-sal, até então, a realidade é da Petrobras sendo operadora. E a gente vai ter a oportunidade, a partir desse novo momento, de ter outras operadoras e outros líderes nessa campanha de exploração e produção. Por que é importante para o país? Temos reservas extraordinárias de petróleo e a gente precisa acessar essas reservas. Mesmo que tivesse todos os recursos, a Petrobras não tem condições de fazer tudo ao mesmo tempo. Vamos esperar 30 anos, 40 anos, 50 anos para poder acessar todas essas riquezas? Quem sabe daqui pra lá o mundo está pensando de outra forma, do ponto de vista de matriz energética? Enquanto a gente está precisando gerar emprego agora, gerar renda agora? Se é Petrobras, Shell, Total ou qualquer outra empresa, elas vão ter as mesmas obrigatoriedades de conteúdo local, de pagar os royalties. De cumprimento de leis ambientais. É lógico que a gente quer que a Petrobras seja cada vez maior e mais forte enquanto empresa de exploração e produção. Mas a estatal hoje vive momento de dificuldade. E por conta disso não vamos então produzir petróleo e óleo no Brasil esperando a Petrobras se recuperar? É uma injustiça com a população também, que precisa destes recursos. E depois essas empresas vão liderar processos de contratação no país. Imagine a Shell  sendo operadora de um campo: ela que vai ser a líder no contrato de navios, sondas, embarcações, todos estes equipamentos. As empresas brasileiras vão ter oportunidade de se relacionar além da Petrobras. Teremos a oportunidade de múltiplos contratantes.

Existe uma perspectiva muito grande quanto à abertura dos leilões de energias renováveis, sobretudo por conta dos investimentos nas eólicas. Quais as chances disso acontecer?
Ele foi cancelado em dezembro e, possivelmente e muito provavelmente, em 2017 teremos leilão. Agora qual é a realidade? Entendo que os estados do Nordeste querem a realização do leilão porque o potencial da energia solar e eólica está na região. Em Pernambuco e no Ceará tem as empresas da indústria eólica. Só que a economia deu uma grande “mergulhada” e hoje temos um cenário de sobreoferta. Energia a gente tem, não vai ter problema de energia. Outra coisa é o preço. O TCU não recomendava se fazer um novo leilão porque a gente não precisava de energia. Então como é que você imputa ao consumidor uma conta de algo que ele não precisa? Porque quando o governo faz um leilão, ele está comprando em nome do consumidor uma quantidade X de energia para ele pagar lá na frente. O que posso garantir é que até 2020 não tem risco de desabastecimento.

Em conversa recente com empresários, você admitiu que no Brasil há mais estaleiros do que necessário. A indústria naval pernambucana sofreu um desmonte e agora tenta se reerguer com encomendas de empresas privadas, caso do EAS. Esta é a saída?
Eu disse isso a alguns representantes da indústria, do Sinaval. Lógico que a Petrobras, que hoje está com uma participação menor, vai voltar a cumprir um papel interessante no incentivo à indústria naval brasileira. Mas ela não pode depender só de um contratante. A gente volta para aquela história de conteúdo local... Quando esse único contratante vai mal, todo mundo vai mal. Se nós conseguirmos produzir um navio a preços competitivos, vamos buscar dentro do governo outras formas de poder arrumar as encomendas. Vamos ao Fundo da Marinha Mercante, ao BNDES - para poder financiar os nossos navios às empresas, seja qual for, seja israelense, canadense, americana. Ele vem e vai pagar juros de BNDES. Você está atendendo uma empresa estrangeira? Está, mas você está gerando 10 mil, 12 mil empregos no Brasil. O que não pode é os estaleiros estarem sempre atrás de uma única empresa. A Petrobras, hoje, não está fazendo encomendas porque está tentando se reorganizar. Não temos a menor dúvida de que, quando ela estiver em outra posição, vai voltar. Mas quanto tempo dura isso? Já vem desde meados de 2014. Vai levar mais dois anos para a Petrobras voltar ao mercado com força? Daqui pra lá quebrou todo mundo. Não pode ficar na mão.

A chinesa State Grid adquiriu o controle da CPFL, uma das principais empresas do setor elétrico. O governo pensa em restringir os investimentos destas estrangeiras, como no setor aéreo?
Ainda não. Até porque a gente já tem, no Brasil, os espanhóis da Iberdrola, os italianos da Enel. E é verdade, de um tempo pra cá, têm vindo com muita força os chineses, seja da State Grid, da Three Gorges. A ideia é atrair mesmo. As restrições às aéreas já existiam antes, mas tinha a participação de até 20%, que elevaram para 49%. Eles queriam abertura total. Mas essa abertura não era interessante.