ENTREVISTA FERNANDO TURTON » 'Acreditar nas pessoas é a melhor sacada' Presidente da gráfica mais antiga em funcionamento do país, Turton colhe frutos dá aposta que fez na guinada nos negócios

Vera Ogando e Kauê Diniz | economia@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/07/2017 03:00

Reagir à crise com investimentos, em um cenário de recessão que vem se arrastando no país sobretudo nos últimos dois anos, foi a receita da IGB-Embrasa para tentar atravessar esse presente nebuloso com o mínimo de sequelas para pavimentar um futuro. Nesse período, a empresa, fundada em 1861 pelo alemão Franz Heinrich Carls e sob a administração de Fernando Turton desde 1996, no Cabo de Santo Agostinho, resolveu apostar numa nova filosofia empresarial, com ênfase em recursos humanos e tecnologia. Paralelamente, qualificou-se com a certificação FSSC 22000, sendo a primeira no Nordeste no seu segmento a obter o selo. O objetivo da mais antiga gráfica comercial funcionando no Brasil, atualmente com enfoque na produção de embalagens cartonadas e microonduladas, era não só manter a cartela de clientes, como Unilever, ASA, Alpargatas, M. Dias Branco, entre outros, mas expandi-la. A empresa já colhe resultados com o acordo com a Natura e planeja mais. À frente desse processo, Fernando Turton, que desde cedo está acostumado à rotina fábril. Sua família durante décadas comandou a Pilar, que produzia bolachas, biscoitos e massas. “Foi uma grande escola. Trabalhei com meu tio-avô (Walter Turton) e ele me disse que teria de passar por todas as áreas da empresa. Eu comecei na garagem, porque a Pilar tinha uma distribuição enorme. Fui depois para a área industrial, comercial e me situei na administrativa”. Com a venda da Pilar, em 1996, para a Nabisco, Fernando fez a opção de compra pela gráfica IGB, que produzia as embalagens da Pilar.

A IGB passou por uma transformação nos últimos dois anos. Como foi esse processo?
Para falar honestamente, praticamente começamos isso do zero. Nós tínhamos uma infraestrutura, fazendo uma autocrítica, muito incipiente e merecia um trabalho que foi feito em RH para construir uma equipe. Já tínhamos iniciado o processo, mas ele ganhou mais consistência quando a gente contratou a Ability Consultoria, de João Chaves. Identificamos que a grande dificuldade que nós tínhamos era manter uma empresa que tivesse realmente um espírito de equipe com colaboradores bem engajados e, mais do que isso, competentes para exercerem suas funções. Queriamos inverter a base da pirâmide, que as coisas deixassem de ser tão centralizadas em mim e delegadas àqueles que têm a competência para fazer. Aí foi a grande virada. Mas recentemente agregamos Mônica (Pereira, gerente de recursos humanos) à nossa empresa, o ritmo que ela trouxe para nossa rotina tem sido muito importante para reverberar em todas as áreas essa nossa mudança de conceito. Há dois anos praticamente que estamos nesse trabalho e ainda estamos longe do objetivo final porque não é uma coisa simples.

Vocês seguiram na contramão de muitas empresas, que, neste momento de crise, optaram por reduzir investimentos?
Não tenho a menor dúvida que entramos nesse processo num momento muito difícil. O mercado ficou deprimido, as vendas caíram e nós não tivemos outra escolha: era continuar ou continuar. Mas claro que, em muitos momentos, eu tive vontade de jogar tudo para o alto. Primeiro, porque a situação econômica tira sua atenção e seu norte. Também somos uma empresa familiar, então tem muita emoção, tomar uma decisão que prejudique alguém, mas em benefício da empresa, e nós tivemos que fazer algumas opções desse tipo. Mas hoje entendo que estamos com uma empresa enxuta e pronta para sair dessa situação que vivemos. Muito mais encorpada, com gente jovem, que eu acredito neles. E a sabedoria está em justamente você saber mesclar a sua experiência com essa juventude. Hoje estamos felizes porque achamos que a escolha fui muito correta, mesmo diante de todo o sacrifício. Agora que estamos mais à frente desse processo, podemos ver o quanto foi importante acreditar nas pessoas. Muitas empresas abandonaram seus projetos, elas se retraíram, mas nós continuamos com nosso projeto porque sabíamos que essa crise um dia acabaria.

A IGB foi a primeira empresa do setor no Nordeste a garantir a certificação FSSC 22.000. Qual a importância desse selo para atuar no mercado?
Tínhamos muito desejo de adquirir essa certificação, mas fomos muito incentivados pela Unilever (um dos clientes da IGB). Ela nos encorajou a fazer esse investimento. Posso dizer que investimos mais de R$ 200 mil nessa certificação. Mas foi fundamental porque estamos vendo hoje que foi um diferencial para nós, principalmente para agregar empresas da indústria de alimentos. A área de qualidade da IGB teve uma alavancagem gigantesca. Contratamos uma profissional da área e investimos bastante em tecnologia de ponta para analisar todos os materiais que entram na empresa. Qualidade é sinônimo de economia e performance.

O mercado de embalagens é dominado pelo material de plástico (39,4%, contra 33,7% do celulósico e 33,7% do papelão ondulado e outros). Essa tendência pode mudar?
A médio longo prazo, nossa consciência ecológica vai prevalecer em algum momento. A tendência do plástico é evoluir e aumentar sua participação no mercado. Em momentos de crise, é natural que as empresas façam a substituição por um produto mais barato. É uma luta difícil, mas sempre teremos espaço. Além disso, o cartão (de papelão) dá uma nobreza à embalagem que o plástico não consegue dar. Tem um outro acabamento e visual.

E a preocupação com a sustentabilidade?
O símbolo FSC (é hoje o selo verde mais reconhecido em todo o mundo, com presença em mais de 75 países e todos os continentes) é um selo que nem todo mundo pode usar nas embalagens, mas nós usamos por conta da nossa consciência ecológica. Nós só trabalhamos com quem produz fazendo bem ao meio ambiente. É a mesma coisa com trabalho escravo e todas essas auditorias que inclusive passamos.

O ano passado, em relação a 2015, teve uma queda no mercado de embalagens de 4,2% (R$ 64,3 bilhões a menos). A IGB sentiu esses efeitos?
No ano de 2015, tivemos uma queda naturalmente, o que não poderia ser diferente, mas conseguimos manter em 2016 o mesmo volume de faturamento do ano anterior. Nesse período, houve uma queda de cerca de 10% nos volumes, mas já agora no segundo semestre deste ano, estamos percebendo que estamos superando esse período de crise. Estamos imaginando fechar 2017 com crescimento de cerca de 2%. Não é um crescimento arrojado, mas para um ano difícil, como ainda está sendo esse, é muito importante.

O mercado de embalagens serve de termômetro para avaliar o reaquecimento da economia, já que se observa a demanda do mercado, e os números nacionais de 2017 já dão sinais da recuperação.
O mercado de embalagem é o primeiro a sentir a crise e também a reação do país. Então eu acho que o consumo de embalagem indicando para um sinal positivo é uma excelente perspectiva de melhora. A indústria de alimento está demandando, o varejo está consumindo, enfim, acho que estamos engrenando uma marcha de recuperação sustentável. Óbvio que sempre têm as questões políticas que podem criar alguma turbulência, mas acho que daqui para frente vamos voltar à normalidade.

Há negócios em vista para ampliar o portfólio da IGB e reforçar o faturamento?
Sim, temos algumas empresas locais e outros de fora do estado, mas que não podemos adiantar nada ainda porque estamos em processo de negociação. Mas a Natura, por exemplo, é um cliente que já começamos a fornecer projetos-pilotos e, neste mês, já vamos aumentar o faturamento mensal em R$ 500 mil. É bastante significativo para um cliente só. Então juntando esses dois anos de crise, 2015-2016, projetamos elevar o faturamento entre 2% e 4% em 2017.

Após esses dois anos de crise, no qual a IGB foi inserida nessa onda, vocês acham que vão sair maiores do que quando entraram?
Não há a menor dúvida. Já nos sentimos felizes por termos tomado essa decisão de dar uma guinada na empresa. Às vezes, dá muito medo, é inerente à responsabilidade daqueles que dirigem uma empresa. Mas tomamos conhecimento de que se não tivéssemos feito isso, não estaríamos aqui hoje. Nosso futuro está muito atrelado à decisão que tomamos há dois anos.

Qual seu conselho como empresário para superar esse momento de crise grave no país?
Perseverar e acreditar no seu negócio porque, caso contrário, ele não terá futuro.

Qual a lição do seu próprio negócio que você quer que as pessoas se espelhem?
Acreditar nas pessoas é a melhor sacada. Estamos aqui hoje por termos acreditado nas pessoas. Isso fez toda a diferença. Nosso engajamento e espírito de amizade, de carinho, nada funciona sem isso. Ainda estamos tristes porque, há poucos dias, perdemos (faleceu) um colaborador de mais de 25 anos, Zé Mariz, nosso diretor comercial. Ele foi parte integrante dessa engrenagem.

O Brasil tem jeito?
Sim. O caminho é a educação, consciência política. Para isso, o mais importante é a educação.

Você acredita em um total desligamento entre a política e a economia?
Acho que estamos vivendo algo semelhante a isso. Volto a insistir que uma equipe preparada é tudo. Acredito que existe sim um descolamento. Acho que a economia sendo bem conduzida, ela sobrevive sozinha.