ENTREVISTA // ANTôNIO CARLOS BUZAID » 'Saúde precisa ser prioridade' Um dos maiores oncologistas do Brasil estará neste sábado no Recife para fazer palestra sobre o câncer de mama

Ana Paula Neiva | aneiva@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/10/2017 03:00

Com mais de 30 anos de profissão, o oncologista Antônio Carlos Buzaid, 59 anos, não para de estudar. Graduado em Medicina em 1982 pela Universidade de São Paulo, ele se define como um eterno pesquisador. Dedica-se aos livros pelo menos dez horas a cada fim de semana. Para descobrir a cura da doença de algum paciente, não mede esforços. Buzaid luta como se estivesse num tatame do tae kown do, seu hobby preferido desde pequeno. “O princípio do tratamento é igualzinho o das lutas marciais, onde o inimigo tem pontos fortes e fracos”, comparou o médico, que é membro do Comitê Gestor do Centro de Oncologia Dayan-Daycoval do Hospital Israelita Albert Einstein e chefe do Centro de Oncologia Antônio Ermírio de Moraes, do Hospital São José, ligado à Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Sempre pensou em ser médico. Vocação presente desde as brincadeiras de criança. Fazia pequenos experimentos em laboratórios com cobaias. Aos 18 anos, ingressou na Faculdade de Medicina. De lá para cá, não parou mais. Passou mais de dez anos fazendo especialização nos Estados Unidos, onde foi laureado com o prêmio de Teacher of the Year do Hospital MD Anderson Cancer Center, o maior centro de câncer do mundo, em Houston, no Texas. Buzaid também é autor do Manual de Oncologia do Brasil, criado em 2002, que tem edições em português, inglês e espanhol. Também possui livros publicados, o último deles, Vencer o Câncer,  editado em parceria com o médico Fernando Maluf. Também possui um site com mais de 200 vídeos, que auxiliam seus pacientes e familiares. Nesse sábado, o oncologista estará no Recife, onde participa, a partir das 8h30, do II Seminário para Pacientes de Câncer de Mama, no Mar Hotel Conventions, em Boa Viagem. Nesta entrevista exclusiva ao Diario, ele fala da sua experiência, dos pacientes, na luta contra o câncer, sobre as iniciativas para aumentar a qualidade da oncologia no Brasil e os avanços nas pesquisas que podem caminhar para cura da doença.

Que avanços tivemos no tratamento do câncer de mama no país?
Os maiores avanços no tratamento do câncer de mama foram principalmente para o subtipo de câncer de mama chamado HER-2 positivo, tanto no tratamento pré-operatório quanto na doença metastática. Para os tumores que têm receptores hormonais na célula cancerosa e são HER-2 negativos (chamados de luminais), teremos em poucos meses no Brasil uma nova droga chamada Palbociclibe, que, quando associada à hormonioterapia, aumenta muito sua eficácia. O que as mulheres mais temem é a quimioterapia, pelo mal-estar, queda de cabelo. E essa molécula carrega a quimioterapia dentro dela. Ela chega no tumor, entra e libera a medicação somente no tumor.

Os casos de câncer de mama estão de fato aumentando ou o crescimento dos registros deve-se à procura maior por exames?
Ambos os fatores participam do aumento. Mudanças de hábito de vida como gestação tardia, uso de álcool, obesidade na pós-menopausa, reposição hormonal excessiva, dieta pró-inflamatória (como grande ingestão de refrigerantes, carne vermelha e carboidratos) contribuem para este aumento. Um bom sinal é que a qualidade dos exames de imagem no país tem melhorado cada vez mais. O que facilita o diagnóstico precoce e chances de cura e recuperação mais rápida dos pacientes.

A quimioprevenção deve ser aplicada em pacientes com risco de ter câncer de mama?
A quimioprevenção consiste no uso de medicações que reduzem o risco de se adquirir um câncer. No caso do câncer de mama, os antihormonios, como o tamoxifeno e o raloxifeno (antiestrogenos), reduzem o risco. São usados em casos selecionados em pacientes com alto risco de desenvolver câncer de mama. Mas deve ser aplicada somente em pacientes de alto risco. Por exemplo, a biópsia não mostrou câncer, mas uma lesão aumentou o risco de câncer no futuro. Essas pessoas podem receber remédios. Os mais usados são esses que citei. Eles reduzem o risco, mas não diminuem. O problema é que eles provocam efeitos colaterais como calores, secura vaginal e alterações no sono.

O que o senhor achou de medidas como a tomada pela atriz Angelina Jolie que realizou mastectomia?
A atriz é portadora da mutação BRCA1 que resulta em importante aumento do risco de câncer de mama e de ovário. O risco acumulado (se a paciente vive até os 80 anos) é de 67% para câncer de mama e de 45% para câncer de ovário. A decisão que a Angelina tomou foi a mais correta. Ela também teve os ovários removidos para reduzir o risco de câncer ovariano. A retirada dos ovários, neste caso, deve acontecer aos 35 anos pois, a partir dessa idade para quem tem essa mutação, o risco aumenta rapidamente. Orientamos, geralmente, a mulher a passar por um aconselhamento  genético, explicando os prós e contras da mastectomia e remoção dos ovários.

Como é lidar com uma especialidade na qual os pacientes estão tão frágeis emocionalmente?

É a parte mais dura da oncologia. Eu sempre digo que nunca me canso de trabalhar ou estudar. Me canso de ver pacientes sofrerem. Existe um cansaço em relação à prática do que faço, que é o cansaço emocional. Choramos por dentro quando, mesmo fazendo um grande esforço, perdemos um paciente. A oncologia produz profundo cansaço emocional, que tem que ser contrabalanceado com atividades que reduzem o estresse. Por exemplo, vou à academia sete dias por semana para me exercitar e viajo para a minha casa de campo no interior de São Paulo e, quando o tempo permite, para meu apartamento no Paiva, em Pernambuco, para relaxar um pouco.

Que experiência mais marcou o senhor ao longo dos seus mais de 30 anos de profissão?

O maior prazer que tenho na vida é curar pacientes quando isto é dificil de ser feito. Já curei muitos pacientes que todos os médicos ao meu redor disseram que era impossivel. Estas são as experiências marcantes e mais recompensadoras. Ainda era residente na USP, quando chegou um homem com uma parada cardiorrespiratória, uma pessoa simples. Nós o ressuscitamos. Ele se recuperou e teve alta depois. Meses após, fui abordado na rua por aquele homem maltrapilho, que veio me agradecer. Fiquei sensibilizado. Já ganhei tantos presentes que não tenho nem onde colocar.

Na sua especialidade, os tratamentos são longos, duram meses ou anos. Qual a estratégia para superar as barreiras emocionais e fazer com que o paciente assuma o tratamento?
Meu hobby são as artes marciais desde que era pequeno. Tenho o hábito de me aliar ao paciente na briga contra o câncer. Explico que,  se ele tiver 1% de chance, darei 100% do meu esforço para ajudar.  Enfatizo, vamos brigar juntos. Acho que a única maneira de vencer uma briga é entrar com 100% de esforço para ganhar. Os pacientes percebem isso. Vou ao limite, me esforço, brigo por isso. Entro numa briga para tentar ganhar, embora esteja ciente que as chances de sucesso às vezes sejam pequenas.

Para o senhor, quais os maiores desafios que a oncologia encontra no Brasil, na área clínica e, principalmente, no campo da pesquisa?

A medicina brasileira tem dois grandes extremos: a medicina pública e a privada. Há um abismo separando as duas. A medicina privada, em centros de excelencia, é comparável àquela dos maiores centros do mundo. A pesquisa clínica no Brasil está melhorando, mas ainda está muito defasada, quando comparamos a países desenvolvidos. A pesquisa básica é ruim, pois não há funding adequado para isto. Pesquisa básica é luxo de país rico. O próprio câncer é um desafio. Ainda não há cura para muitos casos da doença avançada. Um dos desafios no Brasil, além da pesquisa, é a aprovação de drogas, que acontece de forma mais lenta em relação aos Estados Unidos e Europa.

Então que avaliação o senhor faz do atendimento realizado no Sistema Único de Saúde (SUS)? E O que pode ser feito para melhorar?

Infelizmente, a saúde não tem sido prioridade para a maioria dos governos. É imperativo que haja maior alocação de recursos. Outra estratégia é colocar mais estudos clínicos no SUS, o que aumentaria a qualidade do cuidado médico rapidamente. Mas, é preciso fomentar protocolos de pesquisas clínicas que ofereçam aos pacientes sempre tratamentos mais avançados. A Alemanha é um país que conseguiu fazer de maneira adequada.

Como a experiência do senhor fora do país tem contribuído para um melhor desenvolvimento da oncologia no Brasil?
Tive a oportunidade de ser professor tanto na Universidade de Yale por quatro anos, quanto no maior hospital de câncer do mundo, o MD Anderson Cancer Center, em Houston, no Texas, por outros cinco anos. Nos dois centros, trabalhei nas funções médica e administrativa. O que me ajudou muito a criar, conjuntamente com o doutor Raul Cutait e Frederico Costa, o primeiro Centro de Oncologia em um hospital privado, o Hospital Sírio-Libanês, em 1998, onde fui diretor até 2011. Há três anos, viemos para o Beneficência Portuguesa e estabelecemos o Centro de Oncologia Antônio Ermírio de Moraes, que hoje é considerado uma das maiores referências do país. Me sinto honrrado em fazer parte desse time.

Como é possível avançar na detecção precoce do câncer no Brasil?
É simples. É necessário melhorar o cuidado da medicina pública e promover programas educativos. De nada ajuda se uma paciente nota um pequeno nódulo na mama e demora meses para avaliar, diagnosticar e tratar. Campanhas e o acesso à medicina de nível razoável  são necessários. Saúde, na minha visão, precisa ser prioridade dos governos. É uma pena que sejamos um país onde a percentagem de investimento do PIB em saúde não é elevada, se comparada a outros países desenvolvidos no mundo. Por isso, a população precisa escolher melhor seus governantes.

Qual é o papel das diversas especialidades médicas no diagnóstico e acompanhamento do paciente oncológico?
O tratamento do câncer é multidisciplinar, simplesmente porque hoje ainda precisamos de vários tratamentos, como cirurgia, radioterapia, quimioterapia, imunoterapia, terapia alvo e hormonioterapia, para se atingir a maior chance de cura ou sobrevida. Além disso, é comum o paciente sofrer complicações durante o tratamento, por isso se relacionam com cardiologistas e pneumologistas, por exemplo. Nenhum médico interage tanto com outras disciplinas. Você está lidando com pacientes desesperados, e isso, desperta um estímulo maior dentro de você. Por isso, continuo sempre estudando.

O senhor lançou um manual para leigos, O Vencer o Câncer. Que dicas o livro traz?
Este livro foi editado por mim e pelo Dr. Fernando Maluf, com foco nos pacientes, familiares e pessoas em geral que tenham interesse no assunto. Hoje, temos um instituto com o mesmo nome, sem fins lucrativos, para educar os pacientes sobre tudo relativo ao câncer. Conhecer o inimigo é o primeiro passo para combatê-lo. O site www.vencerocancer.org.br é fantástico. Convido a todos para ver seu conteúdo. No site, há mais de 200 vídeos educacionais. Um melhor entendimento do inimigo aumenta as chances de vencermos a guerra.

Como surgiu a necessidade de explicar o câncer para leigos?

É imperativo que o paciente ajude no seu tratamento para ter as maiores chances de cura ou sobrevida. Saber mais sobre a doença sempre ajuda. Quando um paciente tem um problema, hoje, ele consulta o Google e aparece um bilhão de informações. Mas falta um filtro. Esse filtro é o médico, que deve orientar e explicar o que de fato é bom ou não é para cada um. O paciente não é capaz de sozinho discriminar os dados, ele pode interpretar erroneamente. Por isso, nosso site tenta assistir os pacientes oferecendo informações de alta eficácia. Atualizamos sempre com pequenos vídeos, novas medicações e funcionamento das mesmas.