MANSUETO ALMEIDA » 'A Previdência vai comer todo o orçamento público' Secretário de Acompanhamento Fiscal do Ministério da Fazenda esteve no Recife para participar do Pense! Pernambuco

André Clemente | andre.clemente@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 17/03/2018 09:00

Na reta final do governo do presidente Michel Temer, o secretário de Acompanhamento Fiscal do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, vira figura mais que essencial na missão de transformar o presidente em um gestor reformista. Em entrevista ao Diario, se posicionou mais fortemente sobre a importância da reforma da Previdência, inclusive ampliando o discurso dessa necessidade. Além de garantir a aposentadoria das próximas gerações de um Brasil que caminha para o envelhecimento rápido, acrescentou que, sem esse ajuste, a Previdência vai sugar o orçamento do tripé que é a demanda da sociedade: saúde, educação e segurança pública. Em paralelo, neutralizou o posicionamento político de quem é contra “por penalizar os pobres” e garante: se não for neste governo, a pauta da reforma da Previdência não sairá mais do debate até que seja aprovada.

O presidente Michel Temer vem articulando a aprovação da reforma da Previdência há muito tempo e esse atraso tem prejudicado o plano de entregar o Brasil administrável no que diz respeito ao tratamento das contas públicas. A proposta de reforma já foi diluída desde que entrou na pauta e não deve passar neste governo. Mas quais são os pontos fundamentais para quando for votada?
O que é fundamental de ser aprovada é a idade mínima. Mas também tem que ter regras de você acumular aposentaria com pensão, que no Brasil não tem nada estruturado. Então, é a idade mínima, a questão de aposentarias e pensões e ter regras uniformes para todo mundo. Previdência social é justamente um sistema que deve ser o mesmo, tanto faz se a pessoa é político, trabalhador do setor privado ou do setor público. Então, isso é muito importante. Esses são os pilares básicos.

E desses pontos essenciais, o que dá para destrinchar?
A partir desses pontos, a gente vê os detalhes. Quanto tempo será a regra de transição, por exemplo. A idade mínima da mulher vai ser a mesma do homem? Vai ter diferença? De dois anos ou três anos? Aí isso tudo pode ir para debate. Se esse governo não conseguir aprovar esses pontos, no mínimo, essa será a primeira medida do próximo governo. Porque hoje o Brasil gasta com a Previdência mais da metade do gasto público federal. Se não fizer a reforma da Previdência e como a população do Brasil está envelhecendo muito rápido, a Previdência vai comer todo o orçamento público.

E a efeito de informação política, há muita resistência no Nordeste sobre a reforma, principalmente em áreas mais pobres por um discurso de que ela “só tira do pobre e não do rico”. O que é necessário para que a mensagem penetre de fato nessa faixa da população?
Eu acho que para a pessoa que está no interior de Pernambuco, que se aposenta no setor rural, não muda absolutamente nada. Não muda idade, não muda tempo de contribuição, não muda absolutamente nada. Para uma pessoa de baixa renda no Recife que não conseguiu contribuir por 35 anos (homem), essa pessoa já se aposenta hoje por idade mínima, já que precisa ter 65 anos. Também não muda absolutamente nada. Então, tem que explicar. O trabalhador de baixa renda no Brasil está sem sofrer impacto no que é proposto pela reforma.

E o discurso de quem se opõe, de que político ficou de fora, o Judiciário ficou de fora...?
Não é verdade. Eles estão dentro, tanto o Judiciário quanto o político. No caso dos servidores públicos, mesmo os antigos, de antes de 2003, terão a mesma regra e terão que passar também por um período de transição.

Inclusive de paridade (reajuste igual a ativos) e integralidade (aposentaria integral)?
Isso eles mantêm, mas acabou em 2003. Depois disso, não tem mais. Em 2003, no serviço público federal, acabou a paridade. E em 2013, com a Funpresp (Previdência Complementar do Servidor Público Federal), eles já estão sujeitos ao teto do INSS. O problema de servidor público ainda é maior em estados e municípios, porque ainda se tem muito regime especial. Então, tem muito funcionário público que ainda se aposenta com 50 anos, por exemplo. E repito: para o pessoal pobre não muda nada. Esse perfil já se aposenta por idade mínima, porque não consegue contribuir por 35 anos, e aposentadoria rural não muda nada, nem os benefícios para quem é idoso e não consegue aposentadoria também não muda nada.

Então, qual a campanha da reforma para a população?
É mais importante falar à população para o que ela demanda. Hoje, claramente a população demanda mais investimentos em transporte urbano. A sociedade demanda claramente mais investimentos em seguranç a pública, em saúde. No Brasil, quando você vai para a saúde pública, você leva meses para conseguir marcar uma consulta. A gente só vai conseguir atender a demanda da sociedade em saúde, transporte público e segurança se a gente começar a controlar o gasto previdenciário. E com as regras
atuais, ele é incontrolável. Ele (gasto com Previdência) vai crescer continuamente todos os anos e tirar cada vez mais uma fatia maior do orçamento.

Se não for aprovado este ano, qual o cenário pós-eleição?
O que vale reforçar é que esse assunto não sairá mais da pauta, ainda que não seja aprovado este ano. Novamente, há diversas reformas possíveis. Isso é um debate político. Mas o Brasil precisa fazer uma reforma da Previdência. Poucos países do mundo não têm idade mínima de aposentadoria e o Brasil é um deles. E o grande fato que é ruim é que, na verdade, já existe idade mínima no Brasil, só que para os mais pobres. Para os mais ricos, não tem idade mínima. E isso é um dos motivos que, enquanto a reforma não for aprovada, ela vai ficar em pauta. Não sai mais. Seja quem for o próximo governo, se esse não conseguir aprovar, o próximo vai ter que cuidar desse problema.

A Previdência sofreu reduções e não passou. Perdeu a esperança de passar?
A reforma vem sendo discutida, em impasses e embates, e estava na agenda. Entrou o decreto da intervenção da segurança pública do Rio de Janeiro e a reforma já saiu de novo da prioridade. Então, ninguém sabe como vai evoluir e se o governo vai conseguir votos. Agora, novamente, essa reforma é a reforma mais importante do Brasil praa médio e longo prazos. Não é que a reforma da Previdência vá trazer uma grande economia imediatamente, neste ano e no próximo, mas em médio e longo prazos. Porque o país passa por um envelhecimento e a gente necessariamente vai ter que gastar mais em mobilidade urbana e saúde.

Qual a situação hoje das contas do governo, para fortalecer o debate sobre a Previdência?
O governo tem uma situação fiscal construída por anos de caminhos para o desajuste. E esse caminho foi feito sem qualquer revisão da relação de receitas x despesas. Não poderia ser diferente do problema atual, de grande desequilíbrio. Chegamos muito rápido ao rombo de R$ 400 bilhões, um buraco cavado e que chega a 10% do PIB. Esse cenário é semelhante a países europeus que sofreram crises bancárias e financeiras agressivas, algo que não passamos. O nosso agravante foi plantado por se gastar mais do que se arrecadava. Muita gente faz uma relação do orçamento do governo com o das famílias, mas é uma comparação equivocada. Nenhuma família sobrevive por dez anos endividada ou levando uma vida gastando acima do que ganha de salário. Ela se organiza e se ajusta para caber no orçamento. Por que o governo consegue e não vai se ajustar? O que a gente vê hoje é um país com uma dívida que representa 74% do PIB, a média mundial é de 48%. Estamos com um endividamento, inclusive, acima do medido por países em desenvolvimento, que é o grupo que o Brasil participa. E o pior é que não estamos nos ajustando. Isso quer dizer que estamos numa crescente que pode se tornar insustentável.

Fora a Previdência, há outros grandes desafios do governo Temer?
Tem outras coisas. Tem vários projetos. Tem por exemplo o projeto da lei da agência reguladora. Todo mundo entende a importância de se ter agências reguladoras independentes e com pessoas com boa qualificação. Tem um projeto que foi aprovado há um ano no Senado e que está parado na Câmara. Esse projeto é importante para o governo, pela qualidade do serviço.

Qual o problema hoje nesse ponto?
Por exemplo, hoje um requisito para você ser presidente de uma agência reguladora é você ser sabatinado e aprovado pelo Senado. Se você tiver apoio político, você recomenda qualquer pessoa. Agora, não. Você vai ter uma série de condições para ser indicado. Por exemplo: tem que ter dez anos de experiência, ficha limpa, uma série de coisas. Você também vai criar a figura do diretor substituto. Hoje, quando um diretor de uma agência reguladora sai, seja por fim de mandato ou quando pede pra sair, quando não se tem indicação política, a agência fica sem quórum mínimo pra tomar decisão. E trava tudo. A figura do diretor substituto é um diretor da própria carreira técnica da agência. Então, sai um diretor e, prontamente, assume um substituto, até que o novo seja sabatinado e aprovado no Senado.

Resolveria que tipo de entrave do orçamento?
Muita coisa. Hoje, a agência reguladora responde do ponto de vista orçamentário ao ministério que ela fiscaliza. Muitas vezes quando tem contingenciamento, o ministério repassa o corte para a agência reguladora. Agora, com esse novo projeto, a agência passa a ser unidade orçamentária independente, vinculada diretamente ao Planejamento como todos os outros ministérios. Então é uma série de coisas positivas para que ela atue bem.