No centro das Paixões Bredo se torna protagonista durante a ceia da Semana Santa, apesar de ser subestimado e relegado a segundo plano e durante o resto do ano

ISABELLE BARROS
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Publicação: 24/03/2018 03:00

Hortaliça que vive em segundo plano ao longo do ano e alcança o protagonismo na Semana Santa, o bredo é um dos alimentos mais subestimados pelos pernambucanos. Acompanhado principalmente de coco e de peixes - algo até hoje indispensável para várias famílias na Sexta-Feira Santa - a planta tem uma conexão com o sagrado que não se limita ao fim da quaresma católica. Sua facilidade de cultivo, preço baixo, resistência a vários solos e versatildade no preparo também são qualidades a seu favor que podem ser exaltadas em todas as estações. Também conhecida como caruru, é usada de forma extensiva na Bahia e a tradição de comê-la justamente no dia atribuído à morte de Cristo se estende a outros estados do Nordeste.

Há quem a classifique como PANC, ou planta alimentícia não-convencional, ou até como uma erva daninha, mas essa discussão ainda é controversa. Como todas as partes dela podem ser aproveitadas, esta é uma alternativa nutritiva, cheia de ferro, cálcio, potássio e vitamina A, a outras verduras mais caras. “O bredo é encontrado no Brasil inteiro e tem uma considerável importância nutricional. É rústico, comparada a outras hortaliças, e cria raízes muito facilmente. É cultivado por meio da propagação vegetativa, ou seja, não precisa da semente. Basta tirar um galho de uma planta e colocá-lo no solo. As pessoas deveriam consumi-lo o ano todo, cultivando-o até em apartamentos, tanto em jardineiras quanto em hortas verticais”, sugere Roberto Albuquerque, professor do Departamento de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Quem já optou por plantar o bredo em casa foi o chef Rivandro França, do Cozinhando Escondidinho, fã assumido do vegetal. Ele é uma das estrelas do menu de Semana Santa do estabelecimento, a ser apresentado aos clientes entre os dias 28 de março e 1° de abril, domingo de Páscoa. A planta será preparada com farofa, na salada, na clássica combinação com coco e como ingrediente de moqueca. “Peguei cinco talos e tenho mudas para o ano inteiro. É uma hortaliça tão boa, e o uso sazonal dela me inquieta. O talo é crocante, nutritivo, serve para o feijão, a sopa. Se você parti-lo no meio e dourá-lo, é a mesma coisa de um aspargo. A folha também tem muitas qualidades. Por mim, eu o colocaria no cardápio o tempo inteiro”.

“O bredo é encontrado no Brasil inteiro e tem uma considerável importância nutricional. É rústico e cria raízes facilmente”
Roberto Albuquerque, professor da UFRPE


De acordo com o chef, o costume de se comer bredo na Semana Santa, de origem ainda não totalmente esclarecida, também o afetou a nível familiar. “Lembro dos meus avós engajados nessa tradição. Para a minha avó, isso era algo sagrado. Não tinha essa de gostar ou não gostar. Era pra comer. As pessoas falam do sabor amargo, mas a rúcula é mais forte nesse sentido. Eu não o consideraria uma PANC porque, em um certo momento do ano, ele se torna popular. Acho que essa não-popularidade se dá pelo costume de comê-lo na Páscoa e também por um provincianismo. É tão comum, prático, barato e ninguém dá valor. Se viesse de São Paulo a R$ a porção, todo mundo ia querer”.

A chef Carmem Virgínia, do Altar Cozinha Ancestral, também pontua a importância do bredo na culinária de matriz africana, com uma simbologia própria. "Essa erva pertence ao orixá Oxossi, da agricultura e da caça. Dedicado a ele, fazemos um prato chamado efó, com castanha, camarão, amendoim triturado e o bredo. Sempre damos uma oferenda para ele quando não queremos que nos falte alimento. Quanto mais folhas há, mais dinheiro teremos. Há um ditado dos mais primordiais no candomblé: sem folha, não há orixá. Amo o bredo. Gosto dele azedinho, como é de verdade. Não é preciso mascarar o sabor dele. Ele solta muita água, então não precisa colocar líquido na hora de preparar”.

O efó, comida ritual, vai entrar no menu de Páscoa do restaurante de Carmem, mas o prato pode ser encomendado a ela ao longo do ano. “Para mim, o sentido desse alimento não pode se limitar a uma época. Infelizmente as pessoas não gostam tanto do bredo, e é uma pena. As pessoas precisam entendê-lo como uma hortaliça pronta para estar na mesa assim, tipo o coentro, a alface. É como se ele fosse o agrião, a chicória. Os agricultores precisam querer plantá-lo o ano inteiro, afinal ele cresce até entre as pedras”.