Compartilhar está na moda Empréstimo de roupas pode desacelerar consumo no segmento fast fashion em todo o mundo e diminuir prejuízos da indústria da moda ao meio ambiente

Publicação: 01/09/2018 03:00

Um cenário bem-sucedido na Austrália vem refletindo tendência do mundo da moda: o compartilhamento de peças. Na loja de Sarah Freeman, no coração comercial de Sydney, capital australiana, não se compra roupa nova: se pega emprestado pagando uma cota mensal. Um ato militante que diz não ao fast fashion e aos estragos que a sociedade de consumo causam ao meio ambiente. Surpreendida pela rapidez com que suas compatriotas compram e jogam fora roupas de má qualidade (muitas vezes sem sequer usá-las), Sarah Freeman teve a ideia de importar para o mundo da moda o conceito do empréstimo e criar uma Clothes Library, uma “biblioteca de roupas”. “Hoje, usamos as roupas como se fossem preservativos”, denuncia a amante do estilo vintage em sua loja de Potts Point. “Usamos uma vez e jogamos fora. A roupa é fabricada para durar seis lavagens, é algo terrível do meu ponto de vista”, avalia.

Os dados corroboram. Entre 2000 e 2014, a produção mundial de roupas duplicou e o número de peças compradas a cada ano pelos consumidores aumentou cerca de 60%, segundo a empresa de consultoria empresarial McKinsey & Company. Tudo isso graças ao segmento fast fashion - moda de roupas baratas que renova constantemente suas coleções. O modo de consumo dessas marcas implica que as peças desfiladas sejam levadas rapidamente para as lojas a preços baixos e facilmente acessíveis pela internet. Esse modelo tem como grandes exemplos marcas mundiais como H&M e Zara, e encontrou na Austrália um de seus mercados mais dinâmicos.

Segundo a empresa IBISWorld, o setor de fast fashion registrou um crescimento de 19,5% nos últimos cinco anos na Austrália, onde a demanda de peças de roupa per capita é uma das mais altas do mundo. Uma pesquisa recente da empresa YouGov indicava que quase um quarto dos australianos teria jogado fora uma roupa que usou apenas uma vez. “A mentalidade, desde o princípio, é que não são produtos de valor que mereçam ser conservados no armário”, diz Alison Gwilt, especialista em moda sustentável da Universidade da Austrália Meridional, em entrevista.

A australiana Associação Beneficente São Vicente de Pauladiz ter constatado uma baixa na qualidade dos tecidos nos últimos anos, mas um “aumento no número de chegadas, porque as pessoas se separam de suas roupas mais rápido”, segundo o diretor George Blakely. O frenesi consumista que promove a fast fashion leva aos questionamento sobre as motivações de uma sociedade insaciável. Além disso, essa indústria favorece o trabalho em fábricas de baixo custo em condições lamentáveis, gerando desastres para o meio ambiente graças ao resíduos.

A situação levou grupos de pesquisadores a buscar alternativas. Na Universidade Deakin de Melbourne, os pesquisadores receberam a ajuda da gigante H&M para desenvolver tecidos que permitam a reutilização para fabricação de novos. Cada vez mais fabricantes promovem as fibras naturais, ainda mais na Austrália, que é uma grande produtora de lã e algodão, diz David Giles-Kaye, diretor-geral da Australian Fashion Council, organismo que promove o setor da moda australiana. Ainda assim, segundo ele, o futuro está nas mãos do consumidor. “Enquanto os consumidores pedirem produtos baratos, os fabricantes ficarão animados para produzir da forma menos sustentável”, diz o diretor. (Glenda Kwek - AFP)