Rafael Leite Ferreira
Historiador, professor universitário e assessor da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara
Publicação: 15/07/2016 03:00
Através de uma ação conjunta da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara e a Prefeitura do Recife, foi inaugurado no dia 28 de junho, na Praça do Parnamirim, o busto em homenagem ao padre Antônio Henrique. Auxiliar do então arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Camara, o jovem padre foi brutalmente assassinado, em 27 de maio de 1969, por agentes públicos estaduais e ex-integrantes de Comando de Caça aos Comunistas.
A colocação do busto foi a concretização de um das cinco medidas que o direito internacional, nos últimos anos, convencionou chamar de “Justiça de Transição”. Denomina-se Justiça de Transição o conjunto de medidas que devem ser adotadas pelo estado, após o fim de um conflito ou um regime totalitário/ditatorial, direcionadas a consolidar o estado democrático de direito, superar os danos causados à sociedade por um estado de exceção, a garantir a não repetição das atrocidades do passado e a reconstruir as relações de confiança entre o estado e os seus cidadãos.
Compõem a Justiça de Transição o ingresso de ações judiciais, o direito à verdade, as medidas de reparação, as reformas institucionais e a preservação da memória. Podemos dizer que, em nosso país, temos uma Justiça de Transição tardia e incompleta. Em relação ao ingresso de ações judiciais, o Brasil, diferentemente de vários países latino-americanos, pouco fez para responsabilizar os perpetradores de graves violações aos direitos humanos.
Excetuando-se alguns poucos estados da federação, as outras quatro medidas transicionais trilharam um caminho mais próspero em nosso país. Em Pernambuco, por exemplo, a primeira medida implantada, nesse sentido, foi a reparatória. Em 23 de maio de 2000, foi sancionada a Lei nº 11.773, que reparou financeiramente mais de 400 vítimas da ditadura. A segunda medida implantada foi o direito à verdade com a criação da CEMVDHC - a primeira comissão da verdade no país criada e regida por uma lei estadual.
As reformas institucionais e a preservação da memória são as duas medidas da Justiça de Transição que ainda estão sendo colocadas em prática em Pernambuco. As reformas institucionais dizem respeito às modificações necessárias nos órgãos de segurança e justiça para adequá-los à ordem democrática. O espírito que criou o Pacto pela Vida, em 2007, foi, por exemplo, de fomentar, em âmbito estadual, uma polícia cidadã que centrasse a sua função na garantia dos direitos fundamentais e na interação com a sociedade, estabelecendo a mediação e a negociação como instrumento principal. Já a preservação da memória diz respeito à adoção de políticas públicas contra o esquecimento dos graves fatos ocorridos durante a ditadura.
No que tange à preservação da documentação, o Arquivo Público Estadual está finalizando a digitalização dos ricos documentos históricos do extinto DOPS-PE. Em relação aos espaços de memória, poderíamos ter avançado mais. Com exceção do emblemático Monumento Tortura Nunca Mais, na Rua da Aurora, pouquíssimas foram as ações para denominar ruas ou parques e construir monumentos e museus em homenagens àqueles que tombaram na luta contra a ditadura. Com vistas a corrigir essa injustiça histórica, a CEMVDHC tem dado total apoio às recentes ações da PCR, que vem buscando construir espaços de memorialização pela cidade, assim como à feliz iniciativa de criação do Memorial da Democracia por parte do governo do Estado.
Na conjuntura atual do nosso país, de teste diário sobre a solidez das nossas instituições democráticas e de crescente avanço das ideias conservadoras e segregacionistas, a colocação de busto do padre Henrique, além de ser uma peça importante na instituição da Justiça de Transição e uma justa reparação simbólica à família do jovem padre, é um ato político da CEMVDHC e da PCR. A verdade é que os atuais atos de intolerância política e de vandalismo contra o busto não irão nos fazer recuar. Pelo contrário. É a ausência de valores democráticos que nos motiva a avançar. O nosso desafio atual é garantir que as gerações mais jovens, que não vivenciaram os eventos que estão sendo rememorados, incorporem o seu significado e consolidem, em nosso país, em um futuro próximo, a cultura do Nunca Mais!
A colocação do busto foi a concretização de um das cinco medidas que o direito internacional, nos últimos anos, convencionou chamar de “Justiça de Transição”. Denomina-se Justiça de Transição o conjunto de medidas que devem ser adotadas pelo estado, após o fim de um conflito ou um regime totalitário/ditatorial, direcionadas a consolidar o estado democrático de direito, superar os danos causados à sociedade por um estado de exceção, a garantir a não repetição das atrocidades do passado e a reconstruir as relações de confiança entre o estado e os seus cidadãos.
Compõem a Justiça de Transição o ingresso de ações judiciais, o direito à verdade, as medidas de reparação, as reformas institucionais e a preservação da memória. Podemos dizer que, em nosso país, temos uma Justiça de Transição tardia e incompleta. Em relação ao ingresso de ações judiciais, o Brasil, diferentemente de vários países latino-americanos, pouco fez para responsabilizar os perpetradores de graves violações aos direitos humanos.
Excetuando-se alguns poucos estados da federação, as outras quatro medidas transicionais trilharam um caminho mais próspero em nosso país. Em Pernambuco, por exemplo, a primeira medida implantada, nesse sentido, foi a reparatória. Em 23 de maio de 2000, foi sancionada a Lei nº 11.773, que reparou financeiramente mais de 400 vítimas da ditadura. A segunda medida implantada foi o direito à verdade com a criação da CEMVDHC - a primeira comissão da verdade no país criada e regida por uma lei estadual.
As reformas institucionais e a preservação da memória são as duas medidas da Justiça de Transição que ainda estão sendo colocadas em prática em Pernambuco. As reformas institucionais dizem respeito às modificações necessárias nos órgãos de segurança e justiça para adequá-los à ordem democrática. O espírito que criou o Pacto pela Vida, em 2007, foi, por exemplo, de fomentar, em âmbito estadual, uma polícia cidadã que centrasse a sua função na garantia dos direitos fundamentais e na interação com a sociedade, estabelecendo a mediação e a negociação como instrumento principal. Já a preservação da memória diz respeito à adoção de políticas públicas contra o esquecimento dos graves fatos ocorridos durante a ditadura.
No que tange à preservação da documentação, o Arquivo Público Estadual está finalizando a digitalização dos ricos documentos históricos do extinto DOPS-PE. Em relação aos espaços de memória, poderíamos ter avançado mais. Com exceção do emblemático Monumento Tortura Nunca Mais, na Rua da Aurora, pouquíssimas foram as ações para denominar ruas ou parques e construir monumentos e museus em homenagens àqueles que tombaram na luta contra a ditadura. Com vistas a corrigir essa injustiça histórica, a CEMVDHC tem dado total apoio às recentes ações da PCR, que vem buscando construir espaços de memorialização pela cidade, assim como à feliz iniciativa de criação do Memorial da Democracia por parte do governo do Estado.
Na conjuntura atual do nosso país, de teste diário sobre a solidez das nossas instituições democráticas e de crescente avanço das ideias conservadoras e segregacionistas, a colocação de busto do padre Henrique, além de ser uma peça importante na instituição da Justiça de Transição e uma justa reparação simbólica à família do jovem padre, é um ato político da CEMVDHC e da PCR. A verdade é que os atuais atos de intolerância política e de vandalismo contra o busto não irão nos fazer recuar. Pelo contrário. É a ausência de valores democráticos que nos motiva a avançar. O nosso desafio atual é garantir que as gerações mais jovens, que não vivenciaram os eventos que estão sendo rememorados, incorporem o seu significado e consolidem, em nosso país, em um futuro próximo, a cultura do Nunca Mais!