Marcus Prado
Jornalista
Publicação: 29/04/2025 03:00
Um dos mais emblemáticos contos da literatura brasileira da década de 60, Viagem aos seios de Duília, de Aníbal Machado (1894-1964), reconhecido como um dos cem melhores no gênero do século 20, já levado ao cinema (2001), com o famoso Rodolfo Mayer (1910/1985), tem sido estudado pela moderna crítica, por sua riqueza temática e construção. O conto narra a história de José Maria, ex-funcionário público que morando no Rio de Janeiro durante três décadas, já aposentado, decide retornar à cidade onde nasceu no interior de Minas Gerais. Era uma cidade bonitinha, igual a um sonho. Tudo o que podia ser imaginado podia ser sonhado, mesmo o mais inesperado dos sonhos, tamanhos costumes preservados. Ali, o jovem José Maria deixara tudo no seu lugar primitivo, as coisas intactas, todo passado arquitetônico preservado, os seus belvederes, a fisionomia rústica da paisagem. Sua última lembrança do lugar fora os lindos seios da bela namoradinha. Triste, na despedida, aquele rapazinho olha deslumbradamente os seios de Duília, sob a penumbra de uma árvore. Como se fosse Duília a Beatriz Portinari do divino Dante (1265-1321).
Tímida, discreta, Duília concede àquele adolescente a momentânea cena do adeus de despedida. Não deixarei de lembrar que foi uma das cenas mais belas que vi, entre dois jovens amantes, na literatura e no cinema. (Em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco (1825/1890), a palavra “adeus” assume um peso significativo, principalmente na despedida de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque antes de ele ser deportado para Goa. O Camilo que Portugal inteiro está celebrando os seus 200 anos de nascimento, o Camilo que teve no Brasil o seu melhor leitor, o escritor pernambucano Alberto Frederico Lins (1930-2019).
Nos primeiros instantes do regresso de José Maria ao lugar dos seus encantamentos de juventude, mostrava-se a incúria do poder público com o patrimônio histórico claramente ameaçado. Conseguira localizar a casa de Duília, já viúva, com excesso de peso, os seios flácidos e sem estrutura, caídos por conta da idade. Parecia uma das mulheres (as “Três Figuras”), pintadas por Cândido Portinari (1903-1962), a representação dos seios femininos exagerados e volumosos. De repente se instala um silêncio entre os dois, e José Maria sai, sem dizer uma só palavra.
Para quem chega hoje no sítio histórico de Olinda, depois de décadas vividas longe da cidade (não direi somente depois do seu Carnaval), na esperança de rever o passado, Duília seria uma metáfora perfeita. Daí a necessidade de metáfora para aludir ao que uma carga de frustração revisita. Cidade nascida mulher (portanto, rara na geografia urbana do país), as violações das mínimas exigências legais de preservação e tombamento de Olinda fazem parte de um rol de queixas e denúncias altamente comprometedoras dos moradores, há décadas, e dos que integram organismos locais de pertencimento, vigilância, proteção, historicamente ignorados pelo poder público. Ignorados até por aqueles de garantias dos critérios essenciais do direito internacional de proteção patrimonial, a Unesco, que deu a Olinda a sua honraria máxima.
Tímida, discreta, Duília concede àquele adolescente a momentânea cena do adeus de despedida. Não deixarei de lembrar que foi uma das cenas mais belas que vi, entre dois jovens amantes, na literatura e no cinema. (Em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco (1825/1890), a palavra “adeus” assume um peso significativo, principalmente na despedida de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque antes de ele ser deportado para Goa. O Camilo que Portugal inteiro está celebrando os seus 200 anos de nascimento, o Camilo que teve no Brasil o seu melhor leitor, o escritor pernambucano Alberto Frederico Lins (1930-2019).
Nos primeiros instantes do regresso de José Maria ao lugar dos seus encantamentos de juventude, mostrava-se a incúria do poder público com o patrimônio histórico claramente ameaçado. Conseguira localizar a casa de Duília, já viúva, com excesso de peso, os seios flácidos e sem estrutura, caídos por conta da idade. Parecia uma das mulheres (as “Três Figuras”), pintadas por Cândido Portinari (1903-1962), a representação dos seios femininos exagerados e volumosos. De repente se instala um silêncio entre os dois, e José Maria sai, sem dizer uma só palavra.
Para quem chega hoje no sítio histórico de Olinda, depois de décadas vividas longe da cidade (não direi somente depois do seu Carnaval), na esperança de rever o passado, Duília seria uma metáfora perfeita. Daí a necessidade de metáfora para aludir ao que uma carga de frustração revisita. Cidade nascida mulher (portanto, rara na geografia urbana do país), as violações das mínimas exigências legais de preservação e tombamento de Olinda fazem parte de um rol de queixas e denúncias altamente comprometedoras dos moradores, há décadas, e dos que integram organismos locais de pertencimento, vigilância, proteção, historicamente ignorados pelo poder público. Ignorados até por aqueles de garantias dos critérios essenciais do direito internacional de proteção patrimonial, a Unesco, que deu a Olinda a sua honraria máxima.