O boi buzina Tradição centenária sobrevive no domingo de carnaval em Timbaúba, com disputa de grupos e desfile pelas ruas

Ed Wanderley
edwanderley.pe@dabr.com.br

Publicação: 08/02/2015 03:00

Fantasias vibrantes e caprichadas são feitas pelos integrantes das agremiações (ANNACLARICE ALMEIDA/DP/D.A PRESS)
Fantasias vibrantes e caprichadas são feitas pelos integrantes das agremiações


É irônico constatar que os “bois de buzina” de Timbaúba se mantiveram em quase completo silêncio no barulhento desfile cultural que é o carnaval de Pernambuco, nos últimos 100 anos. O som alto do instrumento de sopro, à base de latas de manteiga e que serve para guiar a troça, só perde espaço para o grito de comando do mestre do boi, que conduz a evolução de um ritmo único, semelhante a uma mistura de samba, coco e caboclinho. No município da Mata Norte, há tantos grupos de bois quanto ruas, mas 13 deles participam do concurso anual da prefeitura, no domingo carnavalesco, cada qual com cores tradicionais, temas e histórias.

As duas agremiações mais antigas ainda em atividade, são o Boi Rouxinol e o Boi Trigo, de 1962 e 1968, respectivamente - exceções quanto à exatidão no registro de nascimento. Até então, os foliões da cidade saíam às ruas seguindo a Vaca Malhada, uma estrutura de madeira em formato de animal que ia à frente, marcando o passo das batucadas das marchinhas. Era dela que saía o “leite de onça”, mistura de pinga com leite de coco e açúcar, que auxiliava na “animação” de quem a seguia. Por motivos de saúde, o dono da “vaca”, Seu Abílio, deixou o carnaval de lado. Então, os “bezerros”, Caracu e Rouxinol, passaram a seguir caminhos diferentes e multiplicaram os grupos de foliões na cidade.

“Hoje, dizemos que todos os bois são filhos da Vaca Malhada”, brinca Rosenildo José da Silva, 44, presidente do Boi Trigo, gari e exemplo de amante da brincadeira carnavalesca. Como outros moradores, fala como se fossem bichos de verdade. “Em 1988, o boi ‘engordou’ da noite anterior para o domingo de carnaval. Na hora de sair para desfilar, não passava na porta. Não tive dúvida: destelhei a casa”, lembra,  sorrindo, ao falar do trabalho manual feito com cipós, cordas de coco ou bambu.

Como em toda competição, a rivalidade existe. Os integrantes se dedicam às fantasias e coreografias pelo melhor espetáculo à frente de quase 30 mil pessoas. Em dia de carnaval, é cada um para um lado. “A cabeça do nosso boi é de verdade. Tem um crânio de boi, mesmo”, conta a presidente do Rouxinol, Tatiana Gadelha, 31, que herdou o grupo do pai, que, por sua vez, herdou do pai dele. A disputa hoje se faz apenas no resultado do concurso. Já foi diferente. A briga entre os extintos bois Coração e Sangue tinha trombadas entre as fantasias e golpes de facão entre os vaqueiros, toureiros, batuqueiros e porta-estandartes. Tradição ainda viva na história da brincadeira dos foliões locais.

Saiba mais

A origem
A origem dos bois de buzina é incerta. De acordo com o artesão Evandro Roberto da Silva, 49, o pai, falecido, já contava sobre a primeira manifestação do gênero de que se tem notícia, em 1913, quando o “boi da tecelagem” ganhou as ruas. O nome era por conta da Fábrica de Fiação e Tecelagem, que atuava na região. À época, a buzina era, na verdade, um instrumento rudimentar de sopro feito com canos de papelão. Prova, não tem. “Na época, foto tinha o preço de um Fusca. Não tinha como”, brinca. No fim das contas, é a última das preocupações dos que mantêm a tradição viva, à base de duas ou três cores de buzinas decoradas, doses de “leite de onça” e bois que só não fazem mugir.

Reforço
A Folia dos Bois 2015, como é conhecida oficialmente a festa na cidade, terá apresentações de dois nomes de peso da música brasileira. O cantor de reggae Tony Garrido se apresenta no domingo e o sambista Jorge Aragão, na terça-feira de carnaval.