Oitenta anos de historinhas Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica, comemora oito décadas de vida e avalia a própria carreira em entrevista exclusiva ao Viver

Larissa Lins
Raquel Lima
edviver.pe@dabr.com.br

Publicação: 04/10/2015 03:00

Antes de existir o Mauricio de Sousa criador da Turma da Mônica, coalfabetizador de pelo menos quatro gerações de brasileiros, existiu o repórter policial aspirante a chargista. Aos 19 anos, com centenas de ilustrações na mala, Mauricio Araújo de Sousa saiu de Mogi das Cruzes, São Paulo, para a capital. Encorajado pelos cartazes que fazia para mercerias do bairro onde morava, quis tentar a vida desenhando.

A cidade grande o fez enveradar por um caminho inusitado e atuar, durante cinco anos, na cobertura de crimes para o Jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo). Era a função mais próxima, fisicamente até, daquela que almejava. Serviu como fio condutor para que, em 1959, criasse o primeiro personagem - o cãozinho Bidu - e desse início à produção de quadrinhos publicados semanalmente no jornal.

Dali em diante, a partir de tirinhas protagonizadas pelo cachorro e o menino Franjinha, surgiriam personagens que povoariam a infância de milhões de crianças do Brasil, como Cebolinha, Chico Bento, Horácio e Penadinho. Mauricio os reuniu em uma publicação, a Revista da Mônica, onze anos depois. A tiragem inicial era de 200 mil exemplares.

O “nascimento” de Mônica, a personagem mais icônica do cartunista, foi também o despertar de um universo que, em questão de décadas, englobaria livros ilustrados, álbuns de figurinhas, filmes, brinquedos e cerca de três mil produtos licenciados - de móveis a fraldas descartáveis. O protagonismo de Mauricio não se resume apenas a números: em 2011, foi o primeiro cartunista eleito imortal pela Academia Paulista de Letras.

Aos 80 anos, celebrados em 27 de outubro, com um bilhão de revistinhas publicadas, Mauricio foi o homenageado na Bienal do Livro do Rio, onde 42 obras comemorativas foram lançadas. Os planos não param e são longevos: um deles é o lançamento da Turma da Mônica Adulta, em 2019. Em meio a tantas historinhas, o aspirante a desenhista dos anos 1950 sintetiza a receita do próprio sucesso: “Eu tinha focos. Não tinha dúvidas. É uma fórmula invencível”.

Linha do tempo

1935
Mauricio Araújo de Sousa nasce, em Santa Isabel, São Paulo, no dia 27 de outubro.

1954
Mauricio se muda para a capital paulista, com o objetivo de atuar como chargista. Consegue emprego no Jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo), onde trabalha durante cinco anos como repórter policial.


1959
Mauricio cria o cãozinho Bidu, primeiro personagem, que começa a ser publicado semanalmente no Jornal Folha da Manhã. Cria também Franjinha, seu cuidador.

1963
Mauricio de Sousa cria, com a jornalista Lenita Miranda de Figueiredo, a Tia Lenita, a Folhinha de S. Paulo. Mônica aparece como coadjuvante de uma tirinha do Cebolinha.

1970
É lançada a Revista da Mônica, com tiragem de 200 mil exemplares, pela Editora Abril. Em 1986, as revistinhas migraram para a Editora Globo, onde permaneceram até 2006. Mauricio agora está na Panini.

1997
Cria o Instituto Cultural Mauricio de Sousa, para estimular campanhas sociais em quadrinhos.


1998
Recebe do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a medalha dos Direitos Humanos.  Mauricio distribuiu mais de 70 milhões de HQs em campanhas de organizações como Unesco e Unicef.

2004
Mauricio tem audiência
com o papa João Paulo II,
em Roma, e recebe a Medalha
do Vaticano.


2007
É homenageado pela Unidos
do Peruche, no carnaval
de São Paulo.

2008
Cria a Turma da Mônica jovem, com os personagens da Turma da Mônica aos 15 anos. Os traços flertam com a estética dos mangás japoneses. O projeto chega a ter tiragem de 300 mil exemplares por edição.

2010
O canal Cartoon Network passa a exibir no Brasil e países da América Latina animações com personagens criados por Mauricio de Sousa.

2011
Toma posse como imortal na Academia Paulista de Letras, no dia 13 de maio, ocupando a cadeira de número 24, que antes pertencera ao poeta Geraldo de Camargo Vidigal.

2012
Em pesquisa realizada pelo Ibope, encomendada pelo Instituto Pró-Livro, Mauricio é indicado como o sexto escritor mais admirado do Brasil. Neste ano, desenha o casamento da Mônica com Cebolinha, na Turma da Mônica Jovem de número 50 (Panini, R$ 7,50)

2013
São comemorados os 50 anos da primeira versão da personagem Mônica, esboçada em 1963. A ocasião é aproveitada para relançamento do site dedicado à personagem - eleito sete vezes o melhor site infantil brasileiro, pelo prêmio Ibest. É em 2013, ainda, que Mauricio cria os quadrinhos do Chico Bento moço, nos quais Chico é retratado com 18 anos, enfrentando os desafios da cidade grande para conseguir emprego - o que remete à própria trajetória do cartunista.

2014
Promove versão itinerante da exposição de arte Histórias em quadrões - Pinturas de Mauricio de Sousa. Depois de percorrer museus de Brasília, da Bahia, de Belo Horizonte, de Goiânia e do Recife, a mostra segue para a Coreia, na Central Lotte Gallery, em Seul.

2015
Prestes a completar 80 anos, é homenageado na 17ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, na qual lança 42 livros por diferentes editoras. Recebe o Prêmio José Olympio - concedido pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). “É um orgulho saber que a Turma da Mônica é a maior alfabetizadora do país”, declarou na ocasião.

Números

80 anos
de idade


55 anos
de carreira

1 bilhão
de revistas publicadas

18 longas
metragens lançados

5 milhões
de espectadores dos shows musicais da Turma da Mônica

30 milhões
de acessos mensais no site

30 países
alcançados pelos quadrinhos

70 milhões
de revistas educativas distribuídas gratuitamente

90 países
alcançados pelos produtos licenciados

150 contratos
de licenciamento em 13 diferentes setores da economia

3 mil
itens licenciados, aproximadamente

49 quadros
e 800 mil visitantes
na exposição Histórias em quadrões - Pinturas de Mauricio de Sousa, inaugurada em 2001, na Pinacoteca do Estado de São Paulo

Neste ano

Mauricio de Sousa ganha, através do selo Graphic MSP, uma graphic novel do personagem Louco, por Rogério Coelho, e uma coleção de crônicas ilustradas por
12 desenhistas brasileiros, a HQ Turma da Mata. Em meio aos lançamentos, destacamos:

Mauricio, o início
WMF Martins Fontes, R$ 99,80
Reúne os três primeiros livros ilustrados por Mauricio, todos esgotados, lançados em 1965. São histórias como A caixa da bondade, Chico Bento, O Astronauta no planeta dos homens-sorvete.

A guerra de Troia
em versos de cordel
Melhoramentos, R$ 45
Em parceria com Fábio Sombra, Mauricio reconta a batalha entre gregos e troianos, com os personagens da Turma da Mônica jovem.

Fábulas inesquecíveis
Editora Girassol, R$ 59,90
São 14 fábulas clássicas, protagonizadas pelos personagens da Turma da Mônica.

Mauricio de Sousa: biografia em quadrinhos
Panini, R$ 29,90
O próprio autor retrata vida e obra em formato de HQ, contando a história dele e da criação dos personagens mais icônicos da carreira.

Entrevista >> Mauricio de Sousa

“Quem sonha não tem medo”

Quando foi a última vez que de desenhou? Sente saudade da linha de produção de uma historinha?
Sinto, mas, de vez em quando, mato a saudade produzindo algumas páginas do tipo tabloide (semanais) para observar como anda a criatividade. Não tenho me decepcionado.

Mauricio de Sousa fez ler cerca de cinco gerações de crianças. Como você vê os meninos e meninas de hoje?
Com a mesma cabeça desafiadora, curiosa, esperta. E com a vantagem de nascerem num laboratório tecnológico que aprendem a dominar, entender, pouco depois de abrirem os olhos para o mundo.

Qual o desafio de fazer uma história interessante?
Hoje e sempre história interessante é aquela que fala sobre ações e sensações do ser humano. Mudam os cenários mas as emoções humanas são as mesmas desde o tempo das cavernas. É só falar dessas emoções.

Por que o mercado de HQs para adultos no Brasil não sai do nicho?
Com a nossa linha de Graphic Novels MSP isso começa a mudar. O sucesso está sendo tão grande que as editoras estão repensando esse nicho que andava meio que abandonado. Sabemos que criamos leitores desde os cinco anos de idade e que precisam de novos produtos para manterem esse hábito de leitura. É o que fizemos com a Turma da Mônica Jovem para um público pré-adolescente e adolescente e agora com as Graphic Novels para os que leram a turminha quando criança e gostaram de rever seus personagens preferidos com releituras de grandes desenhistas brasileiros.

É impressionante como a Mauricio de Sousa Produções não tem medo de experimentar: seus personagens ilustraram livros, envelheceram, visitaram os de Osamu Tezuka... você pode comentar como surgem essas ideias?
Temos muitos sonhos que estamos conseguindo realizar. Quem sonha não tem medo.

Mauricio – O início reúne suas primeiras tiras, traços, técnicas. O que este lançamento representa?
Gostoso poder chegar aos 80 anos com a possibilidade de exibir, para um público novo, um livro que apresenta o “berçário” de toda minha obra. Sem choque de estilo ou de filosofia.

Um “capítulo” seu se passou em Pernambuco, não é?
Durantes muitos anos, colaborei com o suplemento infantil do Diario de Pernambuco, quando editado pela lendária jornalista Tia Lola. Foi um longo caso de amor. Também estivemos em diversos eventos com a Turma da Mônica e numa grande mostra de arte (com os Quadrões), no Instituto Ricardo Brennand.

Qual é o maior legado de Mauricio de Sousa?
As lembranças e companhia dos nossos leitores nestes últimos 55 anos.

Já imaginou Mônica, Cebolinha e Chico com 80 anos?
Seria engraçado, mas pretendo desenvolver, daqui a uns quatro anos, a Turma da Mônica adulta, que começaria com os personagens com cerca de 25 anos e, a cada ano fizessem aniversário, evoluindo junto com seus leitores.

Você lê HQs hoje? Se lê, quais? E quem você destacaria da nova geração dos quadrinhos?
Basta ver os autores que estão sendo convidados para as releituras dos personagens nas graphic novels. O editor desta série, Sidney Gusman, me apresenta a cada dia um novo desenhista com trabalho espetacular.