Nelson por Fernanda
A atriz orienta e comenta série com dramatização de textos do pernambucano Nelson Rodrigues, estreia do domingo no Fantástico. Diva do teatro, desafia a patrulha sobre o politicamente incorreto: "Sem isso, não há contestação"
Publicação: 02/09/2017 03:00
“Aprendi a ser o máximo possível de mim mesmo.” A frase é do escritor Nelson Rodrigues, que Fernanda Montenegro destaca como a mais tocante da obra do autor pernambucano. A atriz, de 87 anos, dará mais um passo na relação íntima com o legado do escritor. Com seis episódios, a série Nelson: Por ele mesmo estreia como um quadro no Fantástico neste domingo. A produção é baseada no livro de Sonia Rodrigues, filha do dramaturgo, com adaptação de Geraldo Carneiro e direção de João Jardim, além de fotografia de Walter Carvalho. Com um formato híbrido, que se aproxima do documental, o ator Otavio Müller é orientado por Fernanda no projeto, que mistura imagens reais de Nelson com a interpretação de Müller e comentários da atriz.
O conhecimento e a intimidade de Fernanda com a obra de Nelson enriquece o projeto. “Nelson foi um escritor, cronista, dramaturgo, um memorialista único na história da nossa cultura contemporânea. O que Nelson conseguiu foi um somatório do sentimento e linguajar do brasileiro”, ressalta a atriz, em entrevista ao Viver. Na trajetória cênica, ela conviveu sete anos com o escritor nos anos 1960, quando atuou no filme A falecida e no espetáculo O beijo no asfalto.
O quadro reúne seis crônicas do legado de Nelson. O primeiro episódio aborda O desejo sublime da fidelidade e o segundo recebe o nome de Complexo de vira-latas. “O que será apresentado é tão instigante que certamente as pessoas vão querer saber mais sobre esse danado, esse maravilhoso, esse escritor tão avassaladoramente poderoso, como é Nelson Rodrigues”, acredita Fernanda. “Acho que Nelson teve essa inspiração de colocar em cena um homem brasileiro, do Amazonas ao extremo Sul”, resume.
Entrevista - Fernanda Montenegro // atriz
Qual a maior lição que você aprendeu com a convivência com Nelson Rodrigues e com a obra dele?
É suportar o patético no qual a gente muitas vezes se vê enquanto está neste mundo. Nelson foi um homem que teve uma vida trágica. A gente sentia nele que ele era um homem que aguentava isso como um carma. Mas não era de se queixar, de se abrir, mas nós sabíamos o que estava em torno dele. Principalmente nas crônicas, onde ele fala de suas memórias, a gente sente a batalha em torno da pureza. Nelson era um homem romanticamente, no que o romantismo tem de mais extraordinário e puro, era ser bom, ser santo, ser puro. E isso nenhum ser humano consegue. Alguns tiram isso de letra. No caso do Nelson, lhe dava um sentimento patético da vida.
O que de contemporâneo você destacaria na obra de Nelson?
Enquanto Nelson foi vivo, o teatro dele era execrado tanto pela direita quanto pela esquerda, pelo centro, tanto o mais ignorante como o mais intelectual e respeitado dos letrados brasileiros. Após a morte dele, o teatro dele começou a ser consagrado. Nos dias de hoje, nunca, e digo isso de cadeira, nunca Nelson deixa de estar em algum palco deste país ou algum estudo deste país. Por ser um autor inquietante e inquietador da moçada que venha para o palco. Acho que ele já passou pela prova dos nove e a linguagem teatral dele está garantida. É preciso levar em conta que ele não faz nenhum teatro com literatice. Nelson é um dos pouquíssimos autores que põe na fala do personagem o essencial. Nelson vai no cerne da fala em prol da dramaturgia.
O segundo episódio aborda o Complexo de vira-lata, que é a forma como Nelson Rodrigues descrevia o brasileiro que se achava inferior aos estrangeiros. Como isso é visto ainda hoje na nossa cena política e na nossa sociedade?
O Complexo de vira-lata é emblemático na personalidade de nós brasileiros. Quando achamos que o Brasil está bem, não tem esse complexo. É uma euforia extraordinária. Agora, quando há uma avaliação negativa, a moral da gente vai lá para baixo e fica realmente aquele complexo de vira-lata sim. O Nelson foi muito inspirado e é nisso que ele é único. No momento atual, estamos vivendo um complexo de vira-lata. Com esta política que nos sobrou neste momento, há um complexo de vira-lata. Isso não quer dizer que é confortável, pelo contrário. Ele é dolorido. Quando o Brasil perde um certame de futebol internacional, a pátria de chuteira, que também ele inventou isso - a pátria de chuteira -, ia para um buraco. É sempre vida ou morte, up ou down. Ou você está com a glória ou está no fundo do inferno. Somos nós ou não somos? Há pouco tempo, há uns cinco ou seis anos - vamos dizer oito anos atrás -, não tínhamos esse complexo. De repente, o complexo foi vindo, foi vindo e nós estamos em uma situação meio constrangedora. Daqui a pouco, a gente poderá levantar a cabeça e esse complexo ficará em uma gaveta.
Para muitos, Nelson Rodrigues era um autor machista. Como você analisa essa questão?
Eu não me interesso pelas opiniões dos autores que eu represento e com os quais eu me identifico nos meus 70 anos de palco. Não quero saber se Shakespeare era machista, puxava o saco da rainha, nem que Molière também fosse machista e certamente eram nas suas vidas particulares. O que me interessa do Nelson é a obra dele, que não tem nada, absolutamente nada de machista, de direita. A mim, não me interessa o que ele fez da vida, o que teve que fazer na vida. A minha ligação com o Nelson é a obra dele, é o teatro dele, é o memorialista que ele é. E eu não vejo nada de machismo na obra. Nada!
Ele sempre falou de temas politicamente incorretos. E hoje existe uma tendência das pessoas de evitarem o politicamente incorreto. Você concorda com isso?
A minha profissão é politicamente incorreta. Não há dramaturgia se for feita só politicamente correta. As contradições é que fazem a dor humana, a crise humana, a busca de algo que coordene e harmonize. Sem o politicamente incorreto não há contestação, não há movimentos de condicionamento humano diferentes do que está nos preceitos, todos muito acertados e lógicos, dentro de uma moralidade que naturalmente estará de acordo com as diversas culturas que tem no mundo. Algo aqui que é incorreto, lá do outro lado vai ser correto. Vivo em uma zona como atriz dentro do teatro, espaço politicamente incorreto. Incorreto porque, sem crise, não há dramaturgia, não há seres humanos.
O que pode antecipar do projeto sobre Nelson Rodrigues para a TV?
Nelson: Por ele mesmo é ampliar, divulgar, dar conhecimento a um escritor, um cronista, um dramaturgo, um memorialista único na história da nossa cultura contemporânea. Ele tem uma bagagem diversificada, que eu não conheço, nos nossos tempos, alguém como ele. Essa sequência de seis crônicas, que considero de primeiríssima qualidade, no meio de comunicação poderoso que é a televisão, irá provocar uma curiosidade. O Brasil tem autores teatrais de qualidade, importantes. Representei autores importantíssimos, inclusive do passado. Agora o que o Nelson conseguiu foi a essência da linguagem cênica do Brasil, que vai de norte ao sul, do leste ao oeste.
O conhecimento e a intimidade de Fernanda com a obra de Nelson enriquece o projeto. “Nelson foi um escritor, cronista, dramaturgo, um memorialista único na história da nossa cultura contemporânea. O que Nelson conseguiu foi um somatório do sentimento e linguajar do brasileiro”, ressalta a atriz, em entrevista ao Viver. Na trajetória cênica, ela conviveu sete anos com o escritor nos anos 1960, quando atuou no filme A falecida e no espetáculo O beijo no asfalto.
O quadro reúne seis crônicas do legado de Nelson. O primeiro episódio aborda O desejo sublime da fidelidade e o segundo recebe o nome de Complexo de vira-latas. “O que será apresentado é tão instigante que certamente as pessoas vão querer saber mais sobre esse danado, esse maravilhoso, esse escritor tão avassaladoramente poderoso, como é Nelson Rodrigues”, acredita Fernanda. “Acho que Nelson teve essa inspiração de colocar em cena um homem brasileiro, do Amazonas ao extremo Sul”, resume.
Entrevista - Fernanda Montenegro // atriz
Qual a maior lição que você aprendeu com a convivência com Nelson Rodrigues e com a obra dele?
É suportar o patético no qual a gente muitas vezes se vê enquanto está neste mundo. Nelson foi um homem que teve uma vida trágica. A gente sentia nele que ele era um homem que aguentava isso como um carma. Mas não era de se queixar, de se abrir, mas nós sabíamos o que estava em torno dele. Principalmente nas crônicas, onde ele fala de suas memórias, a gente sente a batalha em torno da pureza. Nelson era um homem romanticamente, no que o romantismo tem de mais extraordinário e puro, era ser bom, ser santo, ser puro. E isso nenhum ser humano consegue. Alguns tiram isso de letra. No caso do Nelson, lhe dava um sentimento patético da vida.
O que de contemporâneo você destacaria na obra de Nelson?
Enquanto Nelson foi vivo, o teatro dele era execrado tanto pela direita quanto pela esquerda, pelo centro, tanto o mais ignorante como o mais intelectual e respeitado dos letrados brasileiros. Após a morte dele, o teatro dele começou a ser consagrado. Nos dias de hoje, nunca, e digo isso de cadeira, nunca Nelson deixa de estar em algum palco deste país ou algum estudo deste país. Por ser um autor inquietante e inquietador da moçada que venha para o palco. Acho que ele já passou pela prova dos nove e a linguagem teatral dele está garantida. É preciso levar em conta que ele não faz nenhum teatro com literatice. Nelson é um dos pouquíssimos autores que põe na fala do personagem o essencial. Nelson vai no cerne da fala em prol da dramaturgia.
O segundo episódio aborda o Complexo de vira-lata, que é a forma como Nelson Rodrigues descrevia o brasileiro que se achava inferior aos estrangeiros. Como isso é visto ainda hoje na nossa cena política e na nossa sociedade?
O Complexo de vira-lata é emblemático na personalidade de nós brasileiros. Quando achamos que o Brasil está bem, não tem esse complexo. É uma euforia extraordinária. Agora, quando há uma avaliação negativa, a moral da gente vai lá para baixo e fica realmente aquele complexo de vira-lata sim. O Nelson foi muito inspirado e é nisso que ele é único. No momento atual, estamos vivendo um complexo de vira-lata. Com esta política que nos sobrou neste momento, há um complexo de vira-lata. Isso não quer dizer que é confortável, pelo contrário. Ele é dolorido. Quando o Brasil perde um certame de futebol internacional, a pátria de chuteira, que também ele inventou isso - a pátria de chuteira -, ia para um buraco. É sempre vida ou morte, up ou down. Ou você está com a glória ou está no fundo do inferno. Somos nós ou não somos? Há pouco tempo, há uns cinco ou seis anos - vamos dizer oito anos atrás -, não tínhamos esse complexo. De repente, o complexo foi vindo, foi vindo e nós estamos em uma situação meio constrangedora. Daqui a pouco, a gente poderá levantar a cabeça e esse complexo ficará em uma gaveta.
Para muitos, Nelson Rodrigues era um autor machista. Como você analisa essa questão?
Eu não me interesso pelas opiniões dos autores que eu represento e com os quais eu me identifico nos meus 70 anos de palco. Não quero saber se Shakespeare era machista, puxava o saco da rainha, nem que Molière também fosse machista e certamente eram nas suas vidas particulares. O que me interessa do Nelson é a obra dele, que não tem nada, absolutamente nada de machista, de direita. A mim, não me interessa o que ele fez da vida, o que teve que fazer na vida. A minha ligação com o Nelson é a obra dele, é o teatro dele, é o memorialista que ele é. E eu não vejo nada de machismo na obra. Nada!
Ele sempre falou de temas politicamente incorretos. E hoje existe uma tendência das pessoas de evitarem o politicamente incorreto. Você concorda com isso?
A minha profissão é politicamente incorreta. Não há dramaturgia se for feita só politicamente correta. As contradições é que fazem a dor humana, a crise humana, a busca de algo que coordene e harmonize. Sem o politicamente incorreto não há contestação, não há movimentos de condicionamento humano diferentes do que está nos preceitos, todos muito acertados e lógicos, dentro de uma moralidade que naturalmente estará de acordo com as diversas culturas que tem no mundo. Algo aqui que é incorreto, lá do outro lado vai ser correto. Vivo em uma zona como atriz dentro do teatro, espaço politicamente incorreto. Incorreto porque, sem crise, não há dramaturgia, não há seres humanos.
O que pode antecipar do projeto sobre Nelson Rodrigues para a TV?
Nelson: Por ele mesmo é ampliar, divulgar, dar conhecimento a um escritor, um cronista, um dramaturgo, um memorialista único na história da nossa cultura contemporânea. Ele tem uma bagagem diversificada, que eu não conheço, nos nossos tempos, alguém como ele. Essa sequência de seis crônicas, que considero de primeiríssima qualidade, no meio de comunicação poderoso que é a televisão, irá provocar uma curiosidade. O Brasil tem autores teatrais de qualidade, importantes. Representei autores importantíssimos, inclusive do passado. Agora o que o Nelson conseguiu foi a essência da linguagem cênica do Brasil, que vai de norte ao sul, do leste ao oeste.