Pelo direito de ficar fora do ar depois do trabalho Numa realidade cada vez mais conectada, o trabalhador está passível de sofrer abusos de empresa, sendo requisitado em folgas

ROSA FALCÃO
rosafalcao@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/01/2017 03:00

A vida conectada 24 horas pode trazer abusos para o mundo corporativo. Celular, e-mail, Facebook, WhatsApp, twitter, messenger. São meios telemáticos (comunicação à distância) que podem ser usados pelas empresas para acionar o trabalhador nos horários de descanso, finais de semana e folgas. Para regulamentar a questão, a França editou lei trabalhista que garante o direito à desconexão. Proíbe os trabalhadores checarem e-mail, atenderem celular e responderem WhatsApp. A medida gera controvérsias sobre a aplicabilidade porque não prevê penalidade para a empresa que descumprir a norma. No Brasil não há dispositivo legal para garantir a “folga eletrônica”, mas há jurisprudência da Justiça do Trabalho, determinando o pagamento de horas extras pelas empresas que contactam os seus colaboradores, fora do horário de expediente, para realizar atividades profissionais.

À medida que o desemprego avança e contabiliza 12 milhões de desocupados no país, o trabalhador cada vez mais fica inseguro para negar demanda do patrão. Muitos sacrificam o lazer e o descanso. O técnico de segurança do trabalho A.S., 34 anos, costumava ser acionado pela empresa nos finais de semana, feriados, e extrajornada, pelo celular e pelo WhatsApp. Bastou o primeiro “não” para ser demitido. “Eu estava comemorando o aniversário de meu tio, em Paulista, e fui convocado para atender um cliente em Suape. Já havia consumido bebida alcoólica, não podia sair dirigindo. Me neguei e na terça-feira fui demitido.” Ele entrou com uma ação na Justiça do Trabalho para receber as horas extras dos dias que trabalhou nos períodos de descanso.

No mundo conectado, é cada vez mais difícil controlar o uso da tecnologia pelos empregados e patrões. A tentação é grande de dar uma espiada nos grupos de WhatsApp, checar o e-mail, abrir o messenger e, principalmente, deixar o celular tocar. Diante do impasse, o governo francês decidiu dar “folga de e-mail” e proibiu as empresas com mais de 50 empregados enviarem WhatsApp nos horários de folga. “É o direito à desconexação. No Brasil, eu acho que haveria resistência por parte do empresário e do trabalhador, porque às vezes existe a conveniência de ambas as partes. O empregador não pode incomodar o trabalhador nos intervalos de interjornada e intrajornada, mas existem os casos excepcionais”, comenta o desembargador do TRT-6ª Região, Sergio Torres.

Outra dificuldade é mensurar o tempo que o trabalhador atende a demanda da empresa através de meios eletrônicos. Fábio Porto, professor de direito e diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB-PE, explica que a jornada de trabalho é o trabalho efetivamente prestado. Ou seja, o tempo que o empregado fica à disposição do empregador deve ser remunerado. “Ele tem o direito à desconexão. O empregador não pode exigir ou punir o empregado que se recusou ou não leu a mensagem”. Porto destaca que o fato de “presentear” o funcionário com o celular não retira o direito à desconexão.