Observatório econômico

por Fernando Dias
Professor do Departamento de Economia da UFPE.
observatorio@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 04/06/2018 09:00

Está caro, mas vou para a fila

Ainda na ressaca da greve dos caminhoneiros e de suas grandes implicações para a economia brasileira, um fato peculiar anda a percorrer as mídias. A aparente contradição das pessoas em apoiar um movimento contra o aumento do preço dos combustíveis ao mesmo tempo que iam para filas quilométricas, literalmente, para abastecer seus veículos pagando até 200% mais caro que os preços praticados uma semana antes.


Somos todos loucos? Não. A ciência econômica considera no estudo da formação dos preços através das forças de mercado o elemento de sensibilidade. O quão sensível é a demanda ou a oferta de um bem ou serviço quando o preço de mercado varia. Há no mercado, de fato, vários bens e serviços para os quais as pessoas, sejam consumidores ou produtores, são bastante insensíveis ao que acontece com o preço devido a necessidade de consumo. Não precisa dizer que combustível é um deles.

Por que isso ocorre? Em linhas gerais porque o consumo é imprescindível e não há um substituto próximo que faça o mesmo papel. No caso do combustível o que se pretende no final é ter um serviço de transporte e, logicamente, quanto mais se precisa de transporte mais se depende de combustível. Se você pensar em uma cidade pequena em que todos se deslocam a pé ou de bicicleta, ou uma área rural de subsistência, os caminheiros podiam ficar semanas parados e a comoção seria quase nenhuma.

Não é assim que a maioria da sociedade vive. Estamos em grandes cidades, nos deslocamos grandes distâncias todos os dias e vivemos em uma sociedade de consumo. Se não podemos nos deslocar, e nossas mercadorias não chegam, nosso modo de vida é fortemente afetado e como resultado temos os efeitos que foram vistos nas últimas semanas.

Mas se combustível é um desses bens que as pessoas pagam qualquer preço para ter, por que ele é relativamente barato? Isto acontece quando este tipo de bem tem uma oferta muito grande, que é o caso justamente dos combustíveis fósseis e dos biocombustíveis. No caso extremos, você tem o que a literatura chama de paradoxo da água e do diamante, quando o primeiro é muito mais importante e essencial que o segundo, mas custa uma ínfima fração do preço.

Para entender a questão, imponha escassez a água e não será difícil perceber que você trocaria uma bolsa cheia de diamantes por uma garrafa de água se estivesse no deserto e aquele fosse o único vendedor. Enquanto a situação de oferta elevada se mantém, os preços baixos se mantêm. Se a oferta é restringida como, por exemplo, por uma greve, o céu é o limite para os preços. E quando a oferta não é ampla? Neste caso o vendedor vive no Olimpo grego, vide por exemplo o preço dos medicamentes essenciais, muitos na casa dos milhares de Reais, ou de Dólares.

Então o mercado já resolve tudo? Nem sempre. Por sua característica de pouca sensibilidade a mudança nos preços este tipo de bem ou serviço é tipicamente sujeito a elevados tributos. Por que? Porque você tributa, eleva o preço, a quantidade vendida pouco se altera e o efeito da alíquota sobre a arrecadação é maximizado. Afinal, se você tributar algo que deixa de ser vendido, você não recebe nada de arrecadação. Da mesma forma, os vendedores têm mais poder de mercado sobre os consumidores nestes mercados.  Tipicamente são mercados que precisam estar sob os olhares dos gestores de política econômica, e alguns são inclusive sujeitos a agências reguladoras, como os combustíveis. Onde estava ela antes da crise que se abateu sobre nós nos últimos dias, aí é um mistério ainda não solucionado.