ENTREVISTA » Ethos: empresas promovem economia etica e consciente

ETIENE RAMOS | dpempresas@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 15/06/2019 03:00

Fundado há 21 anos em São Paulo, o Instituto Ethos é uma referência em articulação empresarial para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Com mais de 500 empresas associadas, metade delas de outros estados, o Ethos mantém um papel de destaque na mobilização da sociedade com prioridades transversais ao meio ambiente, atuando também em direitos humanos, integridade e gestão sustentável. Nesta entrevista ao DP Empresas, o sociólogo Caio Magri, presidente do Ethos desde 2017, destaca conquistas destes 21 anos, e mostra preocupação com medidas do governo federal que já repercutem em uma imagem negativa do Brasil na União Europeia, nosso  segundo maior mercado internacional.

Entrevista // Caio Magri - diretor-presidente do Instituto Ethos

Como o senhor avalia o envolvimento empresarial nas causas socioambientais, desde a fundação do Ethos?

Há 20 anos, nosso objetivo principal era desenvolver o movimento de responsabilidade social das empresas. O maior desafio era mobilizar e levar essa agenda ao maior número das que estavam fora desse mundo. A evolução é nítida, hoje é muito difícil encontrar uma grande empresa no país que não tenha políticas de gestão para o desenvolvimento sustentável. Se há 20 anos, a sustentabilidade era vista apenas sob a dimensão ambiental, hoje o setor privado caminha cada vez mais para o entendimento de que os diferentes temas estão interligados. Por exemplo, as pessoas de menor poder aquisitivo são as mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global, então estamos falando de meio ambiente, mas também de direitos humanos. Passamos por inúmeras transformações na economia, na política e na sociedade. Evoluímos mas ainda temos um longo caminho pela frente. O desafio atual é fazer lideranças empresariais defenderem publicamente a importância dessas agendas, perante a sociedade, seus clientes e fornecedores, e governos. Os empresários têm um papel fundamental em articulações para mudanças em políticas públicas.

O que a vinculação ao Ethos agrega para a imagem da empresa?
A percepção de valor de uma empresa associada é bem ampla e focamos iniciativas que qualifiquem essa percepção: ser associada ao Ethos significa acessar conhecimento especializado e compartilhado por 500 empresas, networking, observar tendências e inovações, acionar um hub de parcerias, buscar soluções estratégicas para os desafios e oportunidades da sustentabilidade. Hoje nosso foco são as agendas de ética e integridade, direitos humanos, meio ambiente e gestão para o desenvolvimento sustentável.

Nestes 21 anos do Ethos, quais foram as principais conquistas para o meio ambiente?
Poderíamos citar várias, mas destaco a criação de um novo marco legal da conservação e uso sustentável da biodiversidade, em 2015, que regulamentou o acesso ao patrimônio genético e repartição de benefícios da exploração de recursos naturais. O Ethos mobilizou lideranças empresariais para essa agenda e, sobretudo, estimulou o diálogo entre o governo e o setor privado para aperfeiçoar o marco legal, com organizações da sociedade civil. Destaco  ainda o lançamento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), em 2009, que reiterou os compromissos assumidos pelo Brasil na COP 15 para reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 36,1% a 38,9%, até 2020. Ajudamos a construir a “Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas”, assinada por 22 empresas e instituições e entregue ao governo federal com compromissos das empresas signatárias para a redução dos impactos nas mudanças climáticas.

Como se dá a atuação do Ethos fora de São Paulo?
Metade das nossas associadas está fora de São Paulo e qualquer empresa pode participar, remotamente, das reuniões dos Grupos de Trabalho. A regionalização é importante no nosso planejamento estratégico. Neste ano, vamos realizar quatro Conferências Ethos 360o em três regiões do país. Próximo dia 25 será a quarta edição no Rio de Janeiro. Fizemos duas conferências em Belém e  nos preparamos para a primeira no Recife, em outubro. Este ano lançamos o Conexões Ethos, uma estratégia para ampliar o diálogo com outras localidades, estabelecer conexões e aumentar a presença em novas regiões. Para isso,  contamos com a rede de cerca de 150 organizações do país que nos apoiam em iniciativas locais.

É possível mensurar os resultados econômicos da adoção das boas práticas socioambientais?
Há várias formas de se fazer isso. A precificação de externalidades é uma delas. A prevenção de riscos é outra. Procuramos trabalhar com as empresas o sentido positivo da agenda de sustentabilidade, ou seja, as oportunidades econômicas – o acesso a novos mercados, a inovação, o uso eficiente de recursos. O governo e o mercado brasileiros ainda pouco incentivam e precificam as boas práticas. Mas é uma tendência crescente e sem volta. Lá fora, há tempos, os principais fundos de financiamentos internacionais condicionam suas escolhas à conduta responsável da empresa.

Qual sua avaliação sobre as medidas na área socioambiental adotadas pelo governo Jair Bolsonaro?
Vemos com muita preocupação algumas decisões. A ameaça de saída do Acordo de Paris, o enfraquecimento das instituições de fiscalização ambiental, a diminuição do orçamento para o enfrentamento da mudança climática e a redução da participação social na construção de políticas públicas, exemplificada pela queda de 100 para 23 membros no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), encolhendo a representação social, dos estados e dos municípios. A agenda socioambiental deve ser vista como positiva para o país. Mais do que uma visão romântica sobre o tema, o meio ambiente é economia para o Brasil. Temos a maior biodiversidade do planeta, os maiores aquíferos, a maior floresta. O futuro da riqueza global está aqui, devemos preservá-lo e utilizar seus benefícios sociais, ambientais e econômicos.

Estas medidas podem inibir investimentos externos ou h[á um entendimento de que o Brasil tem políticas socioambientais consolidadas?
Podem e já estão impactando nesse sentido. A União Europeia (UE) é o segundo maior parceiro comercial do Brasil e, no final de abril, 602 cientistas de instituições europeias fizeram uma carta pedindo que o bloco condicione importações do Brasil ao cumprimento de compromissos ambientais. Segundo o Ministério da Economia, as exportações para a UE representaram 17,56% do total do Brasil em 2018. Além disso, já existe boicote a produtos brasileiros em supermercados europeus.

Qual é a agenda do Ethos para 2019?

É ambiciosa. Temos nos dedicado a novas iniciativas como a melhoria da integridade no setor da infraestrutura, os Acordos Setoriais de Integridade, a continuidade de projetos como o Movimento Empresarial pela Integridade e Transparência, a Coalizão Empresarial pela Equidade Racial e de Gênero e o lançamento de mais dois Guias Temáticos dos Indicadores Ethos: LGBTI+ e de Direitos Humanos. Como destaca nossa campanha nas redes sociais (#OMelhorDos20),  temos uma bagagem de vinte anos de trajetória e unimos a isso a força e a vitalidade para continuarmos atuantes na busca por uma sociedade mais justa e sustentável.