A mulher e o casamento

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana
e Itabaianense de Letras

Publicação: 06/01/2014 03:00

Cada tempo com seus costumes, e, um, que ainda alcancei, o da mãe providenciar o enxoval da filha quando esta ainda tinha onze ou doze anos. Enxoval para o casamento, esclareça-se. Tudo, no caso, porque a mulher casava muito cedo, com treze, quatorze ou quinze anos. O enxoval era confeccionado com muita antecedência. Tive uma colega do curso primário, que não foi para o ginásio. Estava reservada ao casamento. Não sei se o pretendente apareceu, e se casou, hoje, deve ser avó. Era uma menina alta, bonita, cabelo longo e encaracolado, de corpo bem feito, a voz mansa, de poucas palavras com os meninos da mesma série, limitada a conversa as tarefas de aula. Dela não tenho notícias.   

O casamento era o destino das mulheres. Todas casariam, como se casaram duas estudantes de Direito, do meu tempo, uma, de ano na minha frente, outra, da minha turma, em pleno curso, deixando a faculdade de lado. Uma, que guardei a fisionomia, vejo sempre, magra, envelhecida para os seus sessenta e cinco anos, idade que lhe dou de bandeja, acompanhada de um filho, que reproduz sua cara, em compras no supermercado, separado do outrora príncipe encantado. A outra, morena bonita que me inspirou um artigo de jornal, chegou a ser candidata a miss. Da última, não tenho a menor notícia.

Minha avó paterna casou-se com vinte e quatro anos. Já era considerada uma vitalina. Vinte e quatro anos,  idade em que a maturidade ainda não tinha lhe atingido a mente e o corpo, e, assim mesmo, uma velha, porque ainda não tinha casado. Vitalina, sim, a teor de um termo pejorativo que machucava, vitalina bota pó, vitalina tira pó. Uma vez, acompanhando meu pai num enterro de uma senhora que morreu solteira, dele ouvi pronunciar um termo mais suave - moça velha -, quando lhe perguntei porque o caixão tinha a cor branca. Muitas casaram quando ainda não tinha surgido a primeira regra. Conheci várias, pela notícia que corria, que casaram assim, meninas, a alma despontada no viço e no olhar, na poesia de Tobias Barreto, e os pretendentes estavam a porta, para o pedido de casamento, que era aceito. O resto se perde entre quatro paredes, sem registro em cartório civil ou nas sacristias, e sem confissões que chegassem ao terreno da maledicência popular.   

Os costumes mudaram, no que fizeram muito bem, salve, salve. Casar, em velhos tempos, era ter a vida segura, como se casamento fosse um negócio. Hoje, ver uma jovem de menos de vinte anos, com filho na mão, é motivo de certo constrangimento, como a se mente da gente alertasse para o fato de que a idade, para o casamento, ainda não tinha chegado, a menina sendo mãe muito cedo. Mas, cada época tem seus costumes, e, se o casamento, nos coevos do anteontem, se tornava a via única para a mulherada, se devia ao fato de que a mulher ser meramente doméstica, guardada em casa a sete chaves para o casório. Hoje, não, a mulher está em todo o lugar, vivendo, participando, brilhando, o que não deixa de ser um colírio para os olhos de quem aprecia o belo, se constituindo no doce refrigério a ser usufruído.