Ednaldo Bezerra
Estudante de Licenciatura em Letras da UFPE
ednaldo.bz650@yahoo.com.br
Publicação: 13/03/2014 03:00
Nesse feriado de carnaval, viajei ao Chile. Sendo verão, pensei que estivesse menos frio. O sol brilhou; o céu de um azul intenso contrastava com as montanhas cobertas de neve. Longe, algumas lhamas bebiam água num lago acinzentado. Aproveitei, Doroteu, para ir à aldeia de um povo indígena que vive no sul daquele país e que eu visitara na juventude, em 1986. Pois bem, de lá para cá a situação mudou bastante. Quase não reconheci o que vi. Espantei-me porque o Marxismo e Gramscismo também já chegaram àquela isolada região. Como pode?
Naturalmente, os velhos caciques não estão mais no comando, porém, o incrível é que os seus descendentes não lhes sucederam (como seria de se esperar). Agora quem manda é um grupo de homens brancos; eles têm um jeitão de mafiosos, sabe? Vivem numa opulência danada. Mas, ao que tudo indica, o povo está satisfeito, pois é ignorante, se contenta com pouco e é facilmente iludido com as falácias que lhe são ditas.
A aldeia está dividida; a paz é aparente. Fiquei com a impressão de que o caldeirão um dia vai estourar. Os costumes, a família, os valores mudaram sobremaneira. Os homens encarregados da defesa da aldeia têm novos caciques. Os antigos chefes estão sendo perseguidos. É que há algum tempo eles venceram uma guerra contra os brancos e, embora tenha havido o perdão mútuo, os novos governantes, descendentes dos brancos, desejam se vingar. Ou melhor, querem passar para a nova geração uma outra história.
Coitados dos velhos caciques! Soube que se rebelaram e criticaram integrantes do poder. Agora, talvez sejam punidos. Depois de tanta dedicação, passarem por isso no crepúsculo da vida... Quem sabe não se sintam traídos?! É verdade que muitos dos atuais guerreiros também não estão satisfeitos com a forma como vêm sendo tratados pelos governantes. Mas os donos do poder não se incomodam com isso. Sabem que os guerreiros são disciplinados e até, de certo modo, subservientes. E, apesar de em seus rituais cantarem uma canção enaltecendo a coragem, o sentimento nativista, as glórias do passado, eles, aparentemente, não fazem nada para dar de volta o controle da nação aos índios.
Ora, amigo Doroteu, sejamos realistas, a tribo já foi ultrajada há muito tempo! Resta, então, aos brancos tripudiarem, desmoralizarem os guerreiros, até que as gerações futuras estejam com as mentes corrompidas. Estão certos? Se não há nenhuma reação, podem fazer o que quiserem, sentir-se bem à vontade... Contudo, cabe alertar que é sempre arriscadíssimo cutucar a onça com vara curta; e os guerreiros não são tolos. As lendas indígenas mostram que as atitudes deles são estratégicas, imprevisíveis, certeiras. Portanto, se enganam os donos do poder, não é verdade?
É, meu bom Doroteu, ouvi dizer que um velho guerreiro canoeiro inutilmente convocou os índios para, no início do outono, se manifestarem contra os homens brancos. Digo inutilmente, meu amigo, porque, a julgar pela ignorância do povo em relação aos acontecimentos hodiernos e à inoperância dos novos caciques, a tribo continuará sendo espoliada. Quero ver, Doroteu, quando eu for por lá novamente, daqui a uns dez anos. O que será que encontrarei? Não há como prever, no entanto, pelo andar da carruagem até aqui, não vou me admirar se só existirem homens brancos...
Naturalmente, os velhos caciques não estão mais no comando, porém, o incrível é que os seus descendentes não lhes sucederam (como seria de se esperar). Agora quem manda é um grupo de homens brancos; eles têm um jeitão de mafiosos, sabe? Vivem numa opulência danada. Mas, ao que tudo indica, o povo está satisfeito, pois é ignorante, se contenta com pouco e é facilmente iludido com as falácias que lhe são ditas.
A aldeia está dividida; a paz é aparente. Fiquei com a impressão de que o caldeirão um dia vai estourar. Os costumes, a família, os valores mudaram sobremaneira. Os homens encarregados da defesa da aldeia têm novos caciques. Os antigos chefes estão sendo perseguidos. É que há algum tempo eles venceram uma guerra contra os brancos e, embora tenha havido o perdão mútuo, os novos governantes, descendentes dos brancos, desejam se vingar. Ou melhor, querem passar para a nova geração uma outra história.
Coitados dos velhos caciques! Soube que se rebelaram e criticaram integrantes do poder. Agora, talvez sejam punidos. Depois de tanta dedicação, passarem por isso no crepúsculo da vida... Quem sabe não se sintam traídos?! É verdade que muitos dos atuais guerreiros também não estão satisfeitos com a forma como vêm sendo tratados pelos governantes. Mas os donos do poder não se incomodam com isso. Sabem que os guerreiros são disciplinados e até, de certo modo, subservientes. E, apesar de em seus rituais cantarem uma canção enaltecendo a coragem, o sentimento nativista, as glórias do passado, eles, aparentemente, não fazem nada para dar de volta o controle da nação aos índios.
Ora, amigo Doroteu, sejamos realistas, a tribo já foi ultrajada há muito tempo! Resta, então, aos brancos tripudiarem, desmoralizarem os guerreiros, até que as gerações futuras estejam com as mentes corrompidas. Estão certos? Se não há nenhuma reação, podem fazer o que quiserem, sentir-se bem à vontade... Contudo, cabe alertar que é sempre arriscadíssimo cutucar a onça com vara curta; e os guerreiros não são tolos. As lendas indígenas mostram que as atitudes deles são estratégicas, imprevisíveis, certeiras. Portanto, se enganam os donos do poder, não é verdade?
É, meu bom Doroteu, ouvi dizer que um velho guerreiro canoeiro inutilmente convocou os índios para, no início do outono, se manifestarem contra os homens brancos. Digo inutilmente, meu amigo, porque, a julgar pela ignorância do povo em relação aos acontecimentos hodiernos e à inoperância dos novos caciques, a tribo continuará sendo espoliada. Quero ver, Doroteu, quando eu for por lá novamente, daqui a uns dez anos. O que será que encontrarei? Não há como prever, no entanto, pelo andar da carruagem até aqui, não vou me admirar se só existirem homens brancos...