Fome

José Carlos L. Poroca
Executivo do segmento shopping centers
jcporoca@uol.com.br

Publicação: 21/04/2015 03:00

Li Fome, de Knut Hamsun, quando tinha entre 10 e 12 anos de idade. Não comprei nem ganhei; achei-o, “escondido”, num móvel da minha mãe. Sem certeza, suponho que já comentei o fato neste mesmo espaço. O livro causou-me forte impressão e, mais na frente, adquiri e li outra edição, com novos olhos, sem diminuir o impacto positivo inicial. Quando soube da existência de filme baseado na obra do norueguês Hamsun, fiz intenso garimpo até encontrá-lo em DVD. Vou dizer o que ninguém afirmou em tempo algum: “o livro está anos-luz à frente do filme” - mesmo com o bom comando de Henning Carlsen (dinamarquês), da boa fotografia e da boa atuação do ator Per Oscarsson.

Volto ao livro. Editado no final do século 19 ressalta a importância de sentimentos vividos pelo personagem central, valorizando, ao extremo, pontos como integridade, vergonha e dignidade – que estão esquecidos ou em desuso no chamado mundo moderno –, conflitantes com o seu estado de faminto e em condição semelhante a um esmoler. Pena que o autor do livro vá aderir ao nazismo mais na frente, doando a Goebbels, por estima, a medalha Nobel que recebeu, por Os Frutos da Terra. Com quase 90 anos de idade, declarou que Hitler tinha sido “um guerreiro e um profeta da verdade e da justiça”.

A fome do personagem do livro de Hamsum não tem nada a ver com o “fomo” do título; ou, de outro modo, é outro tipo de fome: a sensação de estar bem informado, de estar por dentro, sabendo das coisas. É a tradução de “fear of missing out”, que significa mais ou menos “medo de ficar por fora”. (A casa esclarece que o autor é semianalfabeto na sua língua pátria e analfabeto em outros idiomas. Contam que, da língua inglesa, conhece pouco mais de 300 palavras e expressões).

Esse “medo” (ou essa “fome”) está à solta pelo mundo afora. O Brasil não foge à regra e, para onde se vai, está à nossa volta, desordenadamente, o WhatsApp, o Facebook, o Instagram e aplicativos mil. Está só no começo – dizem. Nesse universo, informações equivocadas e irresponsáveis são repassadas à tort et à travers. A conversa - produto oral da cuca -, desenvolvida para diferenciar os humanos dos irracionais, foi para as cucuias. O e-mail, coitadinho, está escanteado; quem usá-lo para “se comunicar”, corre o risco de ser taxado de démodé.