Não somos todos iguais

Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

Publicação: 07/04/2016 03:00

Somos todos iguais perante a lei. Mas isso não quer dizer que somos todos iguais. Isso quer dizer que somos todos sujeitos de direitos e obrigações, mas nem todos temos os mesmos direitos e as mesmas obrigações, por isso não somos todos iguais.

Uma frase que tenho escutado muito ultimamente é a seguinte: “Sou tão cidadão quanto você”. E essa afirmação pretende servir para justificar, por exemplo, almoço em restaurante de ministro do Supremo Tribunal Federal com políticos, horas antes do julgamento de processo em relação a que esses mesmos políticos teriam interesse, e que o ministro participaria como julgador. Aí eu me pergunto: Será que um ministro do STF, com base nos princípios da isonomia e da plena cidadania, pode afirmar que tem o direito de almoçar com quem quer que seja, nas condições referidas? Acredito que não.

Essa mesma frase: “Sou tão cidadão quanto você” tem servido, também, para justificar manifestações políticas explícitas de autoridades responsáveis por investigações e julgamentos, nas redes sociais, em favor ou contra determinado político ou partido político. E mais uma vez eu me pergunto: Será que um juiz pode, com base nos princípios da isonomia e da plena cidadania, afirmar que tem o direito de posicionar-se politicamente nas redes sociais contra determinado partido e candidato e, ao mesmo tempo, considerar-se suficientemente isento para julgá-lo? Acredito que não.

Numa das recentes conversas em grupos de whatsapp, tive a oportunidade de escutar de uma amiga, de quem eu gosto muito, e que é delegada da polícia federal, essa mesma afirmação: Sou tão cidadã quanto você! Ao que lhe respondi: “Não! É claro que não somos cidadãs de igual categoria. Eu não tenho porte de arma, eu não posso investigar, eu não posso grampear telefones, eu não posso prender, entre tantos outros poderes que você tem em razão do cargo que ocupa. É claro que não somos iguais. Você tem mais poderes e, consequentemente, mais responsabilidades e obrigações em relação aos poderes que tem. É claro que não somos iguais!”

Acho que as autoridades de nosso país têm, como tarefa urgente, que fazer um esforço de autocontenção. Não existe poder em relação a que inexista uma correlata responsabilidade. Vejo como grande problema o fato de que quando se fala em isonomia no Brasil, refere-se sempre ao seu sentido formal, nunca substancial. E quando se fala em cidadania no Brasil, refere-se sempre a exercício de direitos, nunca à atribuição de deveres e responsabilidades.
Nossas autoridades precisam ser como a mulher de César: não basta que seja digna; tem que parecer digna. Na democracia, as aparências são essenciais para a credibilização do sistema.