Teoria da pirâmide invertida

Fernando Araújo *
fernandojparaujo@uol.com.br

Publicação: 15/05/2017 09:00

Em meio ao entusiasmo de uns poucos que serão muito beneficiados com as reformas constitucionais e legais em curso no Brasil, principalmente a trabalhista e previdenciária, é oportuno fazer uma indagação de cunho lógico: se os trabalhadores são a maioria da população e se pelo nosso sistema eleitoral cada pessoa representa um voto, por que as reformas favorecem sempre a minoria? Sherlock Holmes responderia no seu clichê conhecido: “elementar, meu caro Watson”: 5% da população detêm 54.8% de toda a riqueza nacional; a classe média brasileira é muito pequena, e a parcela dela que estava se consolidando, a chamada classe média “C”, acaba de retornar para a pobreza. Não tem mais plano de saúde, nem viaja mais de avião; Portanto, foi se juntar outra vez aos mais de 70% dos brasileiros que viviam das transferências públicas, como o bolsa-família ou ganham no máximo até 3 salários mínimos por mês. Esse, aliás, é o perfil do país de diferenças sociais abissais, com gente que vive de maneira a causar inveja a europeus e americanos ricos, em visível contraste com outros que não chegam a fazer uma refeição por dia e não possuem uma cama para dormir. Todavia, quando olhamos o Parlamento nacional, a pirâmide se inverte: os 5% passam a representar 70% e os 70% viram 5%. Por isso as leis que saem das nossas casas legislativas nos fazem de logo lembrar o poeta paraibano Augusto dos Anjos: “Que ventre produziu tão feio parto?”. E sempre os legisladores estão na barganha e na vantagem. Agora mesmo, a imprensa nacional noticiou que os arautos e mais exaltados defensores da reforma da previdência devem mais de 3 bilhões em tributos ao Fisco, entre alguns senadores e 291 deputados(Cfr. Folha de São Paulo, edição de 24-4-2017). Condicionam apoio às reformas em marcha à renegociação de suas dívidas, conquanto prefiram mesmo anistia. Contemplando esse esgoto, de onde exala intenso mau cheiro (com licença para o uso da metáfora), André Singer lembrou, no mesmo jornal, a frase do bilionário Warren Buffett: “Existe, sim, guerra de classe, mas é a minha classe, a classe dos ricos, que está fazendo guerra, e estamos ganhando” (Cfr. Edição de 29-04-2017). Não por outra razão, usando de ironia, disse frei Leonardo Boff na internet: “querem um Estado pequeno, porque assim basta para servir a eles”. E quando a violência explode nas ruas pelas causas contidas no bojo das desigualdades, isto é, falta de acesso à educação, ao emprego, à moradia etc, advogam o aumento de presídios e de efetivos policiais como solução dos problemas. Como sempre, atacam os efeitos, usando balas de borracha e cassetetes cada vez mais duros, como aquele que levou quase à morte estudante paulista que legitimamente protestava. É isso.

* Advogado e professor de direito