Luzilá Gonçalves Ferreira
Membro da Academia Pernambucana de Letras
Publicação: 17/06/2020 03:00
Nos anos oitenta, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma série de poemas sobre nossas matas. Reunidos em dois álbuns, foram publicados e distribuídos gratuitamente pelo Chase Banco Lar. Sabendo de minha paixão por Drummond, meu amigo Fernando Dubeux me presenteou o exemplar referente à Mata Atlântica. Um primor. São 33 poemas então inéditos, escritos por Drummond a partir de fotografias coloridas, de Luiz Claudio Maringo.
Um texto de apresentação, de Alceo Magnanini, nos informa a situação geográfica da Mata Atlântica, a formação, a hidrografia, o clima. Estuda a vegetação, flora, fauna – milhares de espécies de mamíferos, aves, répteis, peixes, anfíbios, insetos, além de espécies menores. A frase que inicia o texto dá ao leitor o teor do assunto: a urgência de se preservar um tesouro de que o mundo não pode nem deve prescindir. E lembremos, isso já nos anos oitenta: “A Mata Atlântica está desaparecendo. Não é só o Brasil que vai perdê-la, mas o mundo todo terá sofrido uma imensa perda. “Antes mesmo de se debruçar sobre cada uma das belas fotos de Luiz Claudio, Drummond adverte: a câmara fotográfica não pode mudar o que viu, ela distribui a imagem e nos obriga a sentir. O poeta passeia pelas fotos, observa as “formas latejantes de viço e beleza”, lembra que o Álbum resulta do anseio de salvar o que ainda pode ser salvo e pergunta: “Podemos deixar que uma faixa imensa do Brasil se esterilize, vire deserto, ossuário, tumba da natureza?” E antes que o leitor mergulhe nos versos que cantam o esplendor das paisagens, sons e cores, há o “alegre saltar entre ramos e ventos” do macaquinho que estava aqui antes de nós, a “nostálgica lembrança de outro tempo, outra mata, outra vida” no canto do sanhaço. E uma primeira foto mostra a desesperada desolação da paisagem de queimada proposital da floresta: “Não, não haverá para os ecossistemas aniquilados/ Dia seguinte./ O ranúnculo da esperança não brota/ No dia seguinte/ A vida harmoniosa não se restaura/ No dia seguinte./O vazio da noite, o vazio de tudo/Será o dia seguinte.”
Naquela época, tínhamos aqui no Poço da Panela, um grupo de amigos, que editava um jornalzinho intitulado Uma terra só, e lutava pela preservação da natureza. Escrevi um artigo sobre o Álbum e o enviamos a Drummond. Que respondeu agradecendo (“jornalzinho simpático, esse de vocês”) e prometeu enviar o outro álbum, creio que sobre o pantanal. O poeta faleceu dias depois. Mas os poemas continuam cantando “o verdoengo tucano” que deve se por “ao abrigo do destruidor ser humano”, celebra a orquídea, presente de Deus (“em que minuto Deus imaginou a orquídea, ente vegetal sem comparação ou êmulo?” E pergunta ao Gavião de Penacho: “Meu rei aéreo da mata/ Meu rapinante invencível / Que diria, quem diria/ que um dia se acabaria/ Na floresta ressecada/ Teu domínio, teu poder?” Em face dos últimos acontecimentos, mais de trinta anos depois, a voz de Drummond soa atual e bela como sempre. Os poetas sempre sabem das coisas.
Um texto de apresentação, de Alceo Magnanini, nos informa a situação geográfica da Mata Atlântica, a formação, a hidrografia, o clima. Estuda a vegetação, flora, fauna – milhares de espécies de mamíferos, aves, répteis, peixes, anfíbios, insetos, além de espécies menores. A frase que inicia o texto dá ao leitor o teor do assunto: a urgência de se preservar um tesouro de que o mundo não pode nem deve prescindir. E lembremos, isso já nos anos oitenta: “A Mata Atlântica está desaparecendo. Não é só o Brasil que vai perdê-la, mas o mundo todo terá sofrido uma imensa perda. “Antes mesmo de se debruçar sobre cada uma das belas fotos de Luiz Claudio, Drummond adverte: a câmara fotográfica não pode mudar o que viu, ela distribui a imagem e nos obriga a sentir. O poeta passeia pelas fotos, observa as “formas latejantes de viço e beleza”, lembra que o Álbum resulta do anseio de salvar o que ainda pode ser salvo e pergunta: “Podemos deixar que uma faixa imensa do Brasil se esterilize, vire deserto, ossuário, tumba da natureza?” E antes que o leitor mergulhe nos versos que cantam o esplendor das paisagens, sons e cores, há o “alegre saltar entre ramos e ventos” do macaquinho que estava aqui antes de nós, a “nostálgica lembrança de outro tempo, outra mata, outra vida” no canto do sanhaço. E uma primeira foto mostra a desesperada desolação da paisagem de queimada proposital da floresta: “Não, não haverá para os ecossistemas aniquilados/ Dia seguinte./ O ranúnculo da esperança não brota/ No dia seguinte/ A vida harmoniosa não se restaura/ No dia seguinte./O vazio da noite, o vazio de tudo/Será o dia seguinte.”
Naquela época, tínhamos aqui no Poço da Panela, um grupo de amigos, que editava um jornalzinho intitulado Uma terra só, e lutava pela preservação da natureza. Escrevi um artigo sobre o Álbum e o enviamos a Drummond. Que respondeu agradecendo (“jornalzinho simpático, esse de vocês”) e prometeu enviar o outro álbum, creio que sobre o pantanal. O poeta faleceu dias depois. Mas os poemas continuam cantando “o verdoengo tucano” que deve se por “ao abrigo do destruidor ser humano”, celebra a orquídea, presente de Deus (“em que minuto Deus imaginou a orquídea, ente vegetal sem comparação ou êmulo?” E pergunta ao Gavião de Penacho: “Meu rei aéreo da mata/ Meu rapinante invencível / Que diria, quem diria/ que um dia se acabaria/ Na floresta ressecada/ Teu domínio, teu poder?” Em face dos últimos acontecimentos, mais de trinta anos depois, a voz de Drummond soa atual e bela como sempre. Os poetas sempre sabem das coisas.