A mulher de branco

Og Marques Fernandes
Ex-repórter do Diario de Pernambuco

Publicação: 07/09/2021 03:00

Sozinha, a mulher de branco sentou-se à mesa do restaurante, cerca de dois metros em frente do local onde eu me encontrava. Impossível não avistá-la naquela distância. Duas coisas chamaram-me a atenção: o tailleur branco, bem cortado, como se fosse um cenário para o desfile da figura delgada, e o celular, que não largou das mãos e dos ouvidos sequer para comer.  

Não era bela ou feia. Simplesmente elegante. Usava bastante cosmético, como se quisesse esconder a maturidade.  Não sei as razões, mas comparei a maquiagem a um asfalto da cor de pele que recompõe a estrada da vida. Achei a imagem deselegante e logo afastei o pensamento.

A mulher de branco é loura, de cabelos curtos, e usava muitos anéis, um deles a indicar ser casada. Estava quase só, pois desacompanhada de qualquer figura humana, o seu celular era um outro alguém.  Parecia usuária frequente do lugar e pediu um copo de suco de laranja ao garçom antes mesmo de acomodar-se. Pilotava o telefone como um experiente almirante comanda o seu navio: firme, dominando cada tecla ou botão do equipamento.

A curiosidade levou-me a imaginar as pessoas com as quais falava, a partir das expressões do rosto. Devo dizer que não ouvi nenhuma das conversas. A relativa distância favorecia a discrição. Além disso, a natureza já me favoreceu com uma pequena surdez que ajuda a não bisbilhotar o papo alheio.  

Na primeira ligação, pareceu-me tensa. Seria a mulher de branco uma executiva do ramo do feijão ou do combustível? Pelo tom da voz, dava orientações. Manteve o cenho contraído. Um certo jeito de quem recebia notícias da Bolsa de Valores de Nova Iorque ou de alguma commoditie com preço em queda.

A refeição chegou em forma de um prato de massas. Considerei que a mulher de branco não tem medo de engordar e faz muuuita ginástica. De prático, apertou o telefone entre o ombro esquerdo e o ouvido, enquanto comia com a elegância possível.

As expressões do rosto estavam suaves no segundo telefonema. Mais falava do que ouvia. Certamente o interlocutor era do sexo masculino, se a neurociência e a psicologia não estiverem equivocadas. Seria o marido? Algum filho? A conversa foi longa e durou quase todo o almoço. Nos poucos segundos entre desligar a ligação e fazer outro contato, pareceu-me satisfeita com o assunto.

Outra e outra conversas aconteceram. Em alguns momentos, a mulher de branco sorria. Antes assim, que esses tempos mais parecem um vale de lágrimas. Pagou a conta e saiu, passando ao meu lado, quando me olhou com ar de paisagem, como ocorre entre estranhos. Nem imaginava que iria se tornar motivo deste arremedo de crônica.