As eleições 2024 e a Inteligência Artificial

Ingrid Zanella
Advogada e vice-presidente da OAB/PE
e Pedro Silveira
Advogado e diretor de inovação da ESA/PE

Publicação: 13/03/2024 03:00

Deepfake, Inteligência Artificial, Chatbots, Lives etc. Todas são expressões que já fazem parte da vida dos brasileiros, mas que quase não aparecem na legislação brasileira. Pelo menos não apareciam, até agora.

O Tribunal Superior Eleitoral publicou na sexta feira (01/03) doze resoluções repletas de regras jurídicas para as eleições municipais marcadas para outubro deste ano e o texto, que trata da propaganda eleitoral, abordou assuntos quentes do mundo da tecnologia e do direito.

Um dos temas que, justificadamente, pareceu preocupar o Tribunal, foi o uso da inteligência artificial, que, agora, está a ao alcance de qualquer pessoa com um computador ou um celular nas mãos. Segundo o Ministro Alexandre de Moraes, neste ano, as fake news e as milícias digitais estarão “anabolizadas” com a IA, trazendo grandes prejuízos para o processo eleitoral.

Um dos possíveis problemas identificados pelo TSE, foi o uso de deepfakes, a técnica que possibilita, de forma convincente, manipular o rosto, os movimentos faciais e a voz de uma determinada pessoa, dando a acreditar que ela está fazendo ou falando algo que nunca fez ou falou.

Com o uso dessa técnica, foi possível assistir à atriz Carrie Fisher, morta em 2016, interpretar a sua icônica Princesa Léia em um filme da saga Star Wars, com cenas gravadas depois de seu falecimento. Também foi possível ver a eterna Elis Regina cantar o clássico “Como Nossos Pais”, de Belchior, com a filha, Maria Rita, em um dos comerciais de TV mais emocionantes dos últimos anos.

Mas o uso de uma ferramenta com tamanho potencial de confundir pode gerar efeitos catastróficos em uma eleição.

A divulgação, às vésperas do pleito eleitoral, de um vídeo falso de um candidato falando ou fazendo coisas absurdas, impulsionado, de forma quase que instantânea, por plataformas como WhatsApp e Telegram, pode ser fatal para as pretensões políticas do postulante, que sequer teria tempo de desmentir a fraude.

A vítima, nessa situação hipotética, mas também crível, não seria apenas o candidato, mas seriam também os eleitores, a integridade do processo eleitoral e o estado democrático de direito como um todo. Por razões como essas, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu proibir, por completo, o uso de deepfakes no processo eleitoral. E ainda deixou o alerta: quem se utilizar da ferramenta vai perder o mandato eletivo e responder perante a Justiça Eleitoral.

A corte foi além e limitou o uso, pelas campanhas políticas, de chatbots, aquela ferramenta, muita utilizada por bancos e empresas de tecnologia, que “fala” com o consumidor como se ali por trás existisse um atendente humano.

A preocupação do Tribunal foi que candidatos induzissem os seus eleitores a erro, fazendo-os acreditar que estão tendo uma conversa privada com determinado político quando, na realidade, estão conversando com um robô automatizado, alimentado por algoritmos.

Por esse motivo, nas eleições deste ano, o uso da ferramenta vai ser permitida com a condição de que ela não simule o diálogo com uma pessoa real. Ou seja, a campanha deverá sinalizar, expressamente, que aquela conversa ocorre com um robô, de forma a não enganar o eleitor.

Desta forma, estar-se-ia possibilitando a real manutenção da democracia, com o voto consciente e legitimo.

Em um momento em que a sociedade tem cada vez mais dificuldade em distinguir o que é real e o que é falso, as novas regras aprovadas pelo TSE são mais do que bem-vindas, são necessárias para garantir um processo eleitoral limpo e íntegro.