Diversidade religiosa: um verdadeiro direito humano

Paulo Moraes
Advogado, secretário executivo de Cidadania e Cultura de Paz do Recife e professor da Unicap

Publicação: 30/01/2025 03:00

Criado por meio da Lei Federal nº 11.635/2007, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado a cada 21 de janeiro, é um momento para o país tomar consciência do quão grave é a violência fundada em preconceito religioso. Nesta data, no ano de 2000, Mãe Gilda, uma sacerdotisa do candomblé de Salvador/BA, faleceu de infarto fulminante após ver seu nome em panfletos que a associavam à práticas “do mal”. Por isso, é uma data para enaltecer a diversidade religiosa brasileira como um grande ativo de seu povo, onde muitas das crenças e religiões que encabeçam guerras mundo afora aqui convivem em harmonia ou pelo menos conviviam. Sim, conviviam. Não há como esquecer que no mundo polarizado em que vivemos vários atos contra religiões cresceram enormemente, em especial no mundo virtual, como forma de adesão ao lado “A” ou “B” de determinado espectro político.

Dentre esses episódios mais recentes estão ataques a islâmicos e a judeus em face dos novos episódios do conflito sem fim na Terra Santa, e ainda há que se registrar o que passam os praticantes das religiões de matriz africana, os mesmos de Mãe Gilda, que continuam presenciando seus espaços sagrados serem depredados e desrespeitados como expressão maior do racismo religioso, cuja relação direta com o racismo estrutural normaliza e relativiza esses atos.

Os episódios que infelizmente vimos crescer no Brasil e no mundo preocupam, na medida em que representam um retrocesso ao quadro geral de respeito aos direitos humanos e o retorno a um estágio em que a maioria dos Estados professava uma fé oficial, deixando todas as demais numa condição de “clandestinidade”. Importante lembrar que, no primeiro bloco de direitos positivados e elevados à condição de direitos fundamentais, figuram aqueles relacionados à liberdade, dentre os quais a livre escolha da crença ou denominação religiosa que se queira seguir, ou de não ter nenhuma ou não professar a sua escolha em público.

Esta proteção do indivíduo foi conquistada já no bojo das Revoluções Liberais do Séc XVIII e se tornou corolário do Estado Laico, aquele que não preconiza uma religião e que, ao contrário, defende que todos tenham liberdade de escolha e de culto, como, no caso brasileiro, determina a Constituição Federal de 1988.

Neste caso, como principal texto do nosso ordenamento jurídico e do mesmo modo que os escritos sagrados tratam com especial devoção a relação entre o Ser Transcendental e seus filhos, a Constituição eleva o tema ao conjunto de Cláusulas Pétreas, impossíveis de abolição ou redução, portanto figurando na esfera mais elevada de proteção, um verdadeiro direito humano a ser protegido por toda a sociedade.

E é neste caminho que a Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cidadania e Cultura de Paz, estabeleceu parceria com o Fórum Diálogos da Diversidade Religiosa em Pernambuco, celebrando o 21 de janeiro como marco de um irmanamento profundo em prol da paz em nossa cidade.

Afinal, da mesma forma como seguimos a mensagem de Deus, Jesus Cristo, Maomé, Buda, Alah, Yaweh, dos Orixás e de todas as demais expressões das religiões de acordo com a fé pessoal, devemos crer na Constituição e nos seus dispositivos que protegem a liberdade religiosa como um direito humano para combater qualquer forma de intolerância e desrespeito, com esse ou qualquer outro fundamento.